Editorial do Estadão: O ensino na visão dos brasileiros
A população brasileira está refletindo cada vez mais sobre as causas dos principais problemas do País
Que a má qualidade do ensino básico influi no aumento da violência criminal e da corrupção, não há novidade. O inédito é que aumentou o porcentual da população brasileira que compreende essa relação e não esconde sua indignação com a má situação em que se encontra a rede pública de ensino básico, da qual resulta a precária formação escolar das novas gerações. Também é inédita a constatação de que oito em cada dez brasileiros concordam com a afirmação de que a má qualidade do ensino não decorre da falta de recursos financeiros, mas do modo perdulário como eles têm sido geridos pelos governos municipais, estaduais e federal.
Esta é a conclusão de um levantamento promovido pelo Ibope Inteligência e encomendado pela Confederação Nacional da Indústria (CNI) e pelo movimento Todos pela Educação ─ uma organização sem fins lucrativos fundada há 12 anos, financiada por 32 mantenedoras e voltada à melhoria do ensino básico. Intitulada Retratos da Sociedade Brasileira ─ Ensino Básico, a pesquisa foi feita em 126 municípios e entrevistou 2 mil pessoas sobre os efeitos da qualidade da educação no desenvolvimento do País. Divulgada na semana passada, num período em que a escalada de violência levou o governo federal a intervir na área de segurança do Estado do Rio de Janeiro, a pesquisa aponta que 77% dos brasileiros identificam na má qualidade do ensino um dos fatores responsáveis pelo avanço da criminalidade e 60% dizem o mesmo com relação à corrupção. Ela também mostra que 80% da população critica prefeitos, governadores e os últimos presidentes da República por não terem convertido a melhoria do ensino fundamental e médio em prioridade de suas gestões.
Como era de se esperar, a percepção entre má qualidade de ensino e o aumento da violência e da corrupção tende a ser maior entre os entrevistados com graus mais altos de escolaridade. Entre os que possuem diploma superior, 82% tiveram essa percepção. O surpreendente é que 71% dos entrevistados que cursaram até a 4.ª série do ensino fundamental também manifestaram o mesmo entendimento.
O trabalho revela ainda que a avaliação negativa (ruim ou péssima) da rede escolar pública pulou de 18% para 27% no âmbito do ensino fundamental, entre 2013 e 2017, e passou de 15% para 26% com relação ao ensino médio, no mesmo período. Isso significa que é cada vez maior o número de brasileiros conscientes de que, se por um lado o acesso à escola aumentou, a ponto de 95% de crianças e jovens com idade entre 4 e 17 anos estarem matriculados, por outro eles estão aprendendo muito pouco, como tem sido evidenciado pelo desempenho medíocre dos estudantes nas avaliações nacionais e internacionais, como o Sistema Nacional de Avaliação do Ensino Básico (Saeb), o Exame Nacional do Ensino Médio (Enem) e o Programa Internacional de Avaliação de Estudantes (Pisa, na sigla em inglês), promovido pela Organização para Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE). Com relação à rede escolar privada, a pesquisa revela que a avaliação positiva (ótima e boa) caiu de 77% para 65% no ensino fundamental e de 76% pra 74% no ensino médio entre 2013 e 2017.
Apresentados a menos de sete meses das eleições para a Presidência da República, para os governos estaduais e para casas legislativas federais e estaduais, esses números não poderiam ter vindo em melhor hora. Eles mostram que a população brasileira está refletindo cada vez mais sobre as causas dos principais problemas do País. Que ela também está compreendendo que o baixo nível de ensino proporcionado a milhões de crianças e jovens indica um enorme desperdício de dinheiro e potencial humano. E que está aprendendo, ainda, a distinguir o que os candidatos prometem em suas campanhas e a falta de comprometimento com que exercem seus mandatos, sempre relegando para segundo plano o que apresentaram como prioridade nos palanques.