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Deonísio da Silva: Cony foi trocado no berço?

A perplexidade religiosa do escritor Carlos Heitor Cony, autor de numerosos livros com este tema, foi completamente esquecida à hora de sua morte

Por Augusto Nunes Atualizado em 30 jul 2020, 20h37 - Publicado em 7 jan 2018, 19h20

Quando bebê rechonchudo e saudável, ele foi trocado por duas ciganas que enganaram a babá. Ao voltar do trabalho, seus pais acharam que era esta a vontade de Deus e alimentaram e educaram a criança raquítica que lhes fora destinada pelos inescrutáveis desígnios divinos. Cony contou esta história em alguns congressos e deixou muita gente desconcertada.

Os leitores não são repolhos. Quando leem, querem saber mais do que já sabem. Pode ser que um artigo curto leve os leitores aos livros e este, sim, seria um resultado glorioso.

O que se vê e lê quando morre uma personalidade no Brasil? No geral, o óbvio, aquilo que não precisava ser dito ou escrito, enfeitado de desgastados lugares-comuns. Se quem morre exercia o ofício de escrever livros, fica pior ainda, uma vez que os leitores de livros estão cada vez mais escassos.

Mas aumentaram os leitores de jornais e de revistas, principalmente  em versão eletrônica, provavelmente pela facilidade com que se pode acessar o texto nas redes sociais ou a partir delas. E este público leitor merece degustar ou ver e ler rapidamente outras coisas, talvez escritas de outro modo.

A repercussão da morte do jornalista e escritor Carlos Heitor Cony, ocorrida no fim da noite de sexta-feira passada, dia 5, e divulgada na manhã de sábado, serviu para mostrar mais uma vez a extensão e a profundidade do que ignoramos.

Os responsáveis pela notícia – ai de quem morre num fim de semana! – parecem limitar-se a consultar amigos, alguém ao alcance do telefone, do e-mail, do WhatsApp e de outras ferramentas recém-chegadas à cena do crime de tomar o tempo dos interessados para não dizer nada.

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A perplexidade religiosa do escritor Carlos Heitor Cony, autor de numerosos livros com este tema no proscênio das tramas ou utilizado como pano de fundo, foi completamente esquecida à hora de sua morte.

Talvez fosse o único tema indispensável, uma vez que o assunto religião começou no Descobrimento do Brasil, nunca mais deixou a alma nacional e encontrou no escritor alguém que soube expressá-lo com toda a sofisticação, deslindando os laços, os desdobramentos e a aura religiosa que envolve tanto o nosso quotidiano, começando pelo sinal da cruz do jogador ao entrar em campo, prosseguindo com a prostração em caso de derrota, com as mãos para o céu agradecendo alguma vitória complicada, e chegando aos padres, bispos, pastores e cardeais que abençoam políticos em efemérides marcantes, como a campanha, a eleição e a posse de um deles, por exemplo. Talvez fosse mais o caso de exorcizar a maioria deles, em missas ou cultos, antes de abençoá-los…

Carlos Heitor Cony integrou uma geração de ex-seminaristas intelectualmente bem preparados (outro grande foi Roberto Campos), com uma rara formação de cultura geral, tal como vinha até então sendo entendida. Ele trouxe para o jornalismo esta vasta cultura, esta visão mais ampla das coisas, e levou do jornalismo para a literatura uma lição preciosa: a concisão. Nenhum de seus livros é prolixo. Todos têm seus personagens solares e seus temas referenciais desenvolvidos com aquela síntese que marca o texto de quem sabe escrever.

E o tema religioso, que está no fundo do Brasil e no fundo de seus livros, de todos eles, é também o grande tema do mundo contemporâneo, como o demonstra o motivo de todas as grandes guerras recentes: a religião.

Este tema explode no Oriente Médio com uma força descomunal, como já explodiu nos Balcãs e na Chechênia, no Paquistão, na Índia, na China, na Rússia e em todos os países da ex-URSS, assim como está latente em conflitos europeus, de que há outras provas abundantes, como as recentes polêmicas e complexas decisões que governos se obrigaram a tomar sobre sabe o quê? A roupa feminina.

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Afinal, a pátria da Liberdade, da Igualdade e da Fraternidade, a gloriosa França, proibiu o véu ou qualquer outro uniforme religioso nas escolas públicas. Mas medalhas católicas nas correntes ao pescoço continuam intocáveis! Crucifixos nas paredes das repartições públicas também. Estátuas de santos ou de deuses pagãos nos espaços públicos igualmente continuam lá. Mas de repente o Estado onipotente quer legislar sobre o que não pode e sobre o que não adianta legislar. Derrubada a ateia URSS, milhares de igrejas ressurgiram lotadas de fiéis. Onde estiveram aqueles setenta anos? Estiveram onde sempre souberam estar: existindo, apesar dos governos epocais.

Em resumo, que a morte de Carlos Heitor Cony, cuja obra tem no tema religioso o seu grande manto que tudo cobre, encobre ou descobre, sirva para relermos ou lermos livros como Informação ao Crucificado, O Ventre, Pessach: a travessia, Quase Memória.

São obras que se tornaram ainda mais atuais por causa de outras manifestações do velho tema. Carlos Heitor Cony produziu muitos livros, adaptou clássicos, escreveu obras infantojuvenis, mas produziu também público para seus livros, pois falava bem no rádio, tinha o que dizer nas entrevistas e despertava muitas curiosidades sobre temas ignorados por muitos. Vivia preenchendo lacunas. Fará muita falta, mas seus livros estão aí para sempre. Foram eles que lhe deram a imortalidade, na Academia ou fora dela.

*Deonísio da Silva
Diretor do Instituto da Palavra & Professor
Titular Visitante da Universidade Estácio de Sá
https://portal.estacio.br/instituto-da-palavra

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