Celso Arnaldo: a histórica apresentação do PAC da Omelete no Mais Você provou que qualquer uma pode virar presidente
Por Celso Arnaldo Araújo A presidente Dilma Rousseff é uma mulher extraordinária ─ quando nada, por ser a primeira a chegar à Presidência da República. Mas, estimulada por seus marqueteiros, costuma celebrar essa primazia alimentando publicamente o desejo fantasioso de ser vista como uma mulher comum, como se dissesse: “Se eu cheguei lá, qualquer uma […]
Por Celso Arnaldo Araújo
A presidente Dilma Rousseff é uma mulher extraordinária ─ quando nada, por ser a primeira a chegar à Presidência da República. Mas, estimulada por seus marqueteiros, costuma celebrar essa primazia alimentando publicamente o desejo fantasioso de ser vista como uma mulher comum, como se dissesse: “Se eu cheguei lá, qualquer uma pode chegar”.
Eleita presidente, e passada a fase inicial da muda, entrevistas a programas de grande audiência fazem parte dessa estratégia meio feminista, meio oportunista ─ e Hebe vem aí. Está dando certo. Depois do Mais Você de hoje, muitas espectadoras de Ana Maria Braga, sobretudo as das emergentes classes C e D que ainda não tinham ouvido a presidente falar, devem estar pensando em voz alta e até comentando com a vizinha: “Se ela pode, eu também posso”.
Sim, antes de cometer “o” omelete, a presidente Dilma, sem esforço algum, com uma espantosa naturalidade, respondeu a virtualmente todas as perguntas da apresentadora como se fosse uma mulher sem instrução ou um mínimo de traquejo fingindo ser presidente da República. João Santana deve estar orgulhoso dessa performance.
Exemplos? Logo no começo do vídeo: Ana Maria Braga observa que o governo Dilma está completando dois meses e pergunta a ela se sentiu o tempo passar:
“Sinceramente, não. Não, é, é, parece que começou ontem. Passa rápido. Sabe pur que que passa rápido? Purque cê trabalha, é, é, tem momento que ocê trabalha, entra muito cedo e sai muito tarde”.
Qual é a média de horas de trabalho da senhora?
“Não menos de 12. Nove e nove. Se começá às 10 vai mais tarde.
Até na carga horária a presidente quer se parecer com pelo menos 20 milhões de mulheres brasileiras que entram cedo e saem tarde ─ e que ainda têm uma casa e uma família para cuidar, o que não é seu caso. A diferença talvez seja a hora de pegar no trabalho. Começar o dia às 10 não é para qualquer uma ─ apenas para presidentes que só têm de entregar cinco mil creches e dois milhões de casas em quatro anos.
Foi uma entrevista “Mais Você”: cheia de momentos mágicos, históricos ─ como a cerimônia de passagem da faixa para a primeira mulher presidente, a que Dilma assiste novamente ao lado da apresentadora. Como foi, presidenta? Ela guardará essa lembrança para sempre ─ mas imaginem a desolação de seu biógrafo, daqui a uns 10 ou 15 anos, escutando a descrição feita a Ana Maria Braga, exatos dois meses depois do ato:
“Olha, é, é, é uma turbulência na hora, viu? Purque é uma, um momento muito especial purque cê tem sobre si todo o peso e a responsabilidade, é, por baixo daquela faixa tão levinha de seda, ocê tem a responsabilidade de dirigi um país. Aí eu pensei assim: chegou a hora, agora é a minha vez, porque tava o presidente Lula passano pra mim, né?”.
Além de ser a primeira mulher presidente, é a primeira a descobrir que a transmissão da faixa presidencial não é um momento comum e que, assim que a recebe de seu antecessor, um presidente passa a ter a responsabilidade de dirigir um país.
Momento emocionante a despedida de Lula, não presidenta?
“Assim eu tava muito comovida, purque ele tava ino embora, essa duplicidade. Eu tava chegano, mas ele tava saino e tamém eu fiquei triste por ele tá saino. Então tinha esses dois sentimentos ali”.
Uma beleza a Teoria Sentimental do Estado da presidente Dilma. Por ela, ficavam os dois na Presidência.
Mas, se o Mais Você com Dilma teve algum mérito, foi o de trazer, no final deste vídeo, a explicação definitiva sobre o esquisitíssimo “presidenta” com que a presidente encasquestou.
Vivos fossem, nem Houaiss nem Aurélio, diante dos demais 38 acadêmicos, Sarney incluído, teriam a capacidade de formular uma justificativa de gênero tão bem construída. Por que presidenta, presidenta?
“Prá enfatizá o fato de que era, eu sou a primeira mulher a sê presidente do Brasil. Eu não estou cometeno nenhuma barbaridade ao querer ser presidenta do ponto de vista da gramática. Mas, do ponto de vista do significado pras mulheres, o que eu quero enfatizá é o a – que é aquele que é o signo do feminino. Então é presidenta. E não é errado. Entre presidente e presidenta, eu acho que a primeira mulher tem a obrigação de ser presidenta, porque é uma obrigação com as mulheres deste país”.
Muito claro, mas vale a pergunta — qual é o signo da omelete? Porque “o” omelete de Dilma não mereceu a deferência de um “a”?
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