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Por Alberto Carlos Almeida
Opinião política baseada em fatos
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Fanáticos evangélicos

Fundamentalistas religiosos querem trocar a Constituição pela Bíblia, querem implantar uma república teocrática. Será isso mesmo?

Por Alberto Carlos Almeida Atualizado em 28 dez 2019, 15h07 - Publicado em 28 dez 2019, 12h21

Gostaria de propor aqui separar os líderes evangélicos de seus fiéis, de seus liderados. A imagem que muitos de nós temos sobre a religião evangélica tem mais a ver com seus líderes, do que com as pessoas anônimas que frequentam as igrejas. Diria mais, a visão negativa desta religião tem a ver com um conjunto de líderes, não todos eles, justamente os líderes evangélicos que se envolvem com a política. Existem muitos pastores que são bem diferentes dos líderes religiosos que se envolvem com a política.

A compreensão dos fiéis evangélicos é prejudicada, talvez bloqueada, quando eles são considerados fanáticos, fundamentalistas religiosos, pessoas que desejam substituir a nossa constituição pela bíblia. Se nós não os compreendemos ficará ainda mais difícil dialogar com eles. Os fiéis evangélicos e muitos de seus pastores não são pessoas más ou inimigos da esquerda. Todas as pessoas que frequentam igrejas e seguem alguns ditames de sua religião admitem humildemente que são seres imperfeitos, admitem humildemente a superioridade de um ente.

Mais importante do que isso, essas pessoas admitem a sua própria imperfeição, porque consideram necessário seguir regras divinas para que a sua imperfeição seja mitigada, seja parcialmente controlada. Quem frequenta igrejas e segue religiões admite que o ser humano é egoísta. Aliás, admite que ele ou ela própria é egoísta. Seguir uma religião foi a maneira encontrada pelo fiel para controlar o seu egoísmo. Há pessoas que fazem isso acreditando em um ente sobrenatural. Há também aqueles que fazem exatamente a mesma coisa seguindo doutrinas seculares.

Há mulheres evangélicas que só conseguiram escapar da fúria e da violência de seus maridos por frequentarem as igrejas. Quando ficavam mais tempo em casa do que na igreja a informação sobre as agressões do marido não circulava. Quando passaram a frequentar os cultos e outros eventos, as marcas da agressão ficaram visíveis para seus irmãos de fé, que também eram vizinhos. Os vizinhos passaram a comentar que a mulher era agredida, esse relato chegou aos ouvidos de vizinhos não crentes, se tornaram conhecimento do dono da padaria, do dono do bar frequentado pelo marido que acabou por saber que toda a vizinhança passou a saber sobre o que ele fazia com a esposa. Resultado, passou a acontecer coação social e o marido deixou de bater em sua esposa.

Esse breve relato é real e retrata inúmeros casos. Pessoas inseridas em comunidades, em redes contínuas de relações sociais presenciais, com frequência não precisam dar queixa na polícia de agressões físicas. As redes de relação a protegem.

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Há também relatos de evangélicos que tinham um pequeno negócio fracassado, uma vendinha ou birosca de uma esquina pouco movimentada. Quando passaram a frequentar a igreja eles ampliaram sua rede de relacionamento, o que os permitiu vender para outras pessoas, fazendo-os melhorar de renda. A ampliação da rede de relações sociais que permitiu que as agressões físicas do marido contra a esposa cessassem foi a mesma que permitiu a diversos subempregados ou mesmo desempregados aumentarem suas rendas familiares por ter acesso a mais compradores.

Há também os casos de jovens que concluíram o ensino médio e tinham dificuldade de dar continuidade a seus estudos entrando em uma universidade, mas que acabaram tomando conhecimento de vagas em faculdades particulares por intermédio de alguém de sua igreja que também era professor de tais faculdades. O contato semanal presencial em uma igreja é muito mais poderoso do que contatos mais frequentes por meio de redes sociais. Esse professor de faculdade e colega de igreja acabou conseguindo uma vaga desde que o jovem tivesse um determinado desempenho nas disciplinas, o que viabilizou a continuidade de seus estudos.

Há milhares de casos como estes, talvez até milhões. Em todos eles o participante da igreja obteve um benefício importante em sua vida simplesmente porque ampliou sua rede presencial de relações sociais. Pode ser que eles atribuam tais melhorias a Deus. Em alguma medida não deixa de ser verdade. Foi sua crença em Deus que a colocou próxima de outras pessoas com a mesma crença, e isso resultou na solução de um problema ou na melhoria de vida.

Há uma visão racionalista que nega a importância das religiões atacando as crenças, afirmando que aquele que acredita nos dogmas das religiões, não importa qual, acredita em coisas que não existem. Quem faz isso acaba por fechar os olhos para o que de mais importante existe nas religiões: a participação em uma comunidade de acordo com determinadas regras. Ser adepto de uma religião é o mesmo que ser adepto de uma tribo, de um time de futebol, de um partido político, de uma comunidade. As religiões, porém, mobilizam muito mais gente, estão muito mais presentes na vida da maioria das pessoas. As regras das religiões, para seu crente, são divinas, e isso as faz bem diferentes das regras de outros grupos, todas elas humanas. É muito mais fácil questionar regras humanas do que divinas.

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Além disso a maioria dos deuses é onipresente e onisciente. Isso significa que o crente tem muito mais razão para seguir as regras da religião, ele está sendo visto por Deus. Seguir estas regras traz o benefício concreto de domesticar a maldade e o egoísmo individual, o que acaba permitindo o crente a melhorar de vida.

Evangélicos, católicos, budistas, judeus, praticantes de religiões de origem africana, todos eles buscam se comportar corretamente e fazer o bem. É comum que as regras que eles adotam para seus comportamentos, como funcionam para melhorar suas vidas, eles queiram que outros sigam. O raciocínio é simples e tem a seguinte lógica: “passei a ser evangélico, passei a seguir várias regras e minha vida melhorou. Se você fizer o mesmo a sua vida também irá melhorar. Sonho em um dia em que você e outras pessoas sigam as mesmas regras.” É por causa disso que estas pessoas reagem de forma indignada ao que viola as regras que causaram sua melhoria de vida.

Quem não acredita em Deus e vive isoladamente, sem frequentar semanalmente uma comunidade moral, também segue regras. Mas como não atribui sua melhoria de vida a seguir tais regras esta pessoa não liga se outras pessoas não as seguirem. Isso acaba criando um abismo entre crentes e não crentes. Reflita sobre isso. Nada pior para o Brasil de hoje do que o fosso que vem separando evangélicos de não evangélicos, crentes de não crentes. Cabe a você, cabe a todos nós, pensar um pouco sobre estes temas e eventualmente agir. Agir para ser mais empático em relação às religiões e aos evangélicos.

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