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Ministérios de Bolsonaro: estão mais para 1984, não 1964

A formulação das pastas bolsonaristas parece inspirada na famosa distopia de George Orwell

Por Filipe Vilicic Atualizado em 8 jan 2019, 18h09 - Publicado em 8 jan 2019, 16h31

Há uma comparação superficialíssima do governo Bolsonaro com o do regime militar que se instituiu a partir do golpe de 1964. Esse paralelismo não se concretiza na prática. Os militares de 64 eram nacionalistas e promoviam a repressão violenta para a contenção de ideologias que nos tempos de Guerra Fria dividiam o planeta. Mas eles não atuavam – ao menos às claras – de forma eugenista, em privilégio de um tipo de ser humano, o “bem nascido” (como o branco, de elite, homem), contra tudo que fosse diferente desse mesmo tipo. É nesse aspecto que o governo Bolsonaro em muito se distancia do de 1964.

Desta vez, o cunho da nova presidência é, como bem definiu análise do biólogo e médico Siddhartha Mukherjee (autor, dentre outros, do best-seller “O Gene”, que em muito aborda fenômenos tenebrosos como o nazismo), eugenista. Em reflexo também de uma nova onda da sociedade brasileira, assim certa vez desenhada por Ney Matogrosso: “O Brasil está mais careta hoje do que era”.

Por efeito desse tocante, os ministérios bolsonaristas também não lembram os de 1964. Para entendê-los, proponho recorrer à ficção. No caso, à obra-prima “1984“, de George Orwell (abordada neste espaço em situações anteriores).

“1984” foi o livro que originou o termo Big Brother (o Grande Irmão). Na novela, o Grande Irmão seria o líder supremo de uma Inglaterra dominada por uma versão do socialismo deveras parecida com a linhagem política exibida por bolsonaristas. A organização da sociedade totalitária, dividida em castas, se dá em quatro ministérios. A sacada do Grande Irmão foi chamar as pastas exatamente do oposto daquilo que elas realmente fazem.

Assim, o Ministério da Verdade é incumbido de apagar registros históricos com o intuito de reescrever notícias, eventos etc., da forma que lhe convém, apelando à ficção. Algo como Bolsonaro e seus ministros querem realizar com o regime militar – para eles, não existiu – ou com fatos históricos como o período escravocrata brasileiro – sobre o qual Jair Bolsonaro teve o disparate de afirmar, sem nenhuma evidência (talvez ele formule alguma num futuro Ministério da Verdade, né?), “O português nem pisava na África. Foram os próprios negros que entregavam os escravos”.

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Já o Ministério da Fartura de “1984” se encarrega de fingir que existe riqueza para todos, enquanto na real apenas 2% da população se beneficia do sistema de castas – enquanto a prole (a grande maioria) passa fome. Há ainda o Ministério do Amor, sob o qual se promovem prisões, torturas e execuções de opositores – aí lembra Bolsonaro ameaçando rivais de cadeia, exílio ou fuzilamento. Por fim, acrescenta-se o Ministério da Paz. Adivinhe o que esse faz? Guerra, é claro.

Os ministérios bolsonaristas – assim como as atitudes do próprio Bolsonaro – parecem saídos diretamente de “1984”.

Na pasta de Direitos Humanos, colocou-se uma senhora que quer privilegiar um único tipo de ser humano, o hétero e “terrivelmente cristão” (como ela própria se define), que aceita sua imposição simbólica de “menino veste azul, menina veste rosa”. Como ela diz, os “príncipes” e “princesas”, no que ainda dá a devida conotação elitista ao público-alvo das falas da ministra.

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Já para a Casa Civil, responsável pela articulação política, escalou-se um indivíduo envolvido em diversos casos de corrupção e que, em vez de promover articulação, expulsa / exonera quem não concorda com ele. O superministério da Economia coube a um nome que por enquanto tem apresentado apenas soluções que beneficiam os mais ricos da sociedade – e nada fala em formas de reduzir a desigualdade econômica que assola o país. Nas Relações Exteriores, um homem nada diplomata, pelo contrário, dotado de um perfil tipicamente inquisidor temido por qualquer diplomata de fato.

O viés “1984” se torna ainda mais transparente em algumas das outras pastas. Em Educação, um apoiador do obscurantismo nas escolas – e não seria de se espantar que em alguns anos se tentasse proibir o ensino darwinista, em favor do criacionismo, por exemplo. No ministério no qual foi despejada a Cultura, um indivíduo que admite que, de cultura, só sabe “tocar berimbau”. No Meio Ambiente, um ruralista, condenado por crime ambiental e temido por… ambientalistas.

Precisa desenhar ainda mais? Na era Bolsonaro, como na distopia orwelliana amada pelos fãs de ficção científica, a vários dos ministérios compete realizar o extremo oposto daquilo que deveria lhes caber.

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Resta ver se bolsonaristas, talvez motivados pelas conversas estranhas com representantes estadunidenses – e que em muito ecoam a célebre frase “O que é bom para os Estados Unidos é bom para o Brasil”, by Juracy Magalhães –, também não acabarão por criar um Ministério da Paz, ou então um do Amor.

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