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#16 O STREAMING: O último ruído

O CD vive seus dias finais enquanto a transmissão digital pela web altera o modo como os consumidores se relacionam com a música

Por Sérgio Martins Materia seguir SEGUIR Materia seguir SEGUINDO Atualizado em 4 jun 2024, 17h07 - Publicado em 21 set 2018, 07h00
Herbert von Karajan e Akio Murita
O finado disco – Akio Morita, empresário da Sony, e o maestro Herbert von Karajan no lançamento do CD, em 1982 (Siegfried Lauterwasser/.)

Um dos regentes mais poderosos do século XX, o austríaco Herbert von Karajan era perfeccionista. Gravou a integral das nove sinfonias de Beetho­ven cinco vezes porque buscava aprimorar sua execução. Quando a Sony mostrou ao mundo sua nova criação, o CD, em 1982, Karajan, como modelo de excelência, foi escolhido como garoto-propaganda do primeiro suporte físico da música digital. Hoje, muitas de suas interpretações grandiloquentes são tidas como ultrapassadas — e o CD, mais que ultrapassado, está virtualmente sepultado pela transmissão em tempo real na internet. O chamado streaming é consequência natural da digitalização: afinal, por que guardar arquivos em um disquinho prateado que exige um aparelho de leitura específico se eles podem ser acessados imediatamente no celular, no computador, no tablet? As gravadoras, que já se sentiram ameaçadas pela livre circulação da música on-line, agora se despedem dos formatos físicos com tranquilidade. Paulo Junqueiro e Paulo Lima, presidentes, respectivamente, da Sony Music e da Universal Music, apresentaram o mesmo número a VEJA: a expectativa para 2018 é que a venda de CDs alcance apenas 5% do mercado brasileiro.

Hoje o streaming representa uma grande fonte de renda para as empresas de música. De acordo com o mais recente relatório da Federação Internacional da Indústria Fonográfica, o lucro das gravadoras em plataformas de streaming foi de 6,6 bilhões de dólares em 2017, um crescimento de 41% em relação ao ano anterior. A Goldman Sachs calcula um lucro de 41 bilhões de dólares do setor fonográfico até 2030 — destes, 34 bilhões virão de assinaturas e publicidade em serviços de streaming; a venda em suporte físico e download ficará em apenas 700 milhões. Ainda se encontram CDs no comércio, mas trata-se do último suspiro dessa tecnologia. “O CD vai para o museu. E eu adoro museus”, diz João Marcello Bôscoli, executivo de música.

O streaming teve um impacto tremendo também no audiovisual desde o lançamento do YouTube, em 2005. A Netflix, a companhia que começou alugando DVDs pelo correio e desde 2007 aderiu ao streaming, responde por 20% do uso da banda larga mundial. Tem 125 milhões de assinantes em 190 países. Devastou o negócio das locadoras — mas não o dos cinemas, que ainda são o canal privilegiado dos grandes estúdios (leia mais sobre blockbusters). A digitalização da música, porém, veio antes — e a pirataria com ela —, no fim do século XX, e mudou o modelo de negócios das gravadoras. A música foi o grande laboratório para o impacto da internet sobre a indústria cultural.

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A indústria fonográfica tinha a tradição de abraçar com agilidade as mudanças de formato tecnológico, do disco de 78 rotações ao LP e deste ao CD. Mas, por muito tempo, considerou a internet uma inimiga. Em Dirty Little Secrets of the Record Business (Segredinhos Sujos da Indústria Fonográfica, sem edição no Brasil), o jornalista Hank Bordowitz argumenta que os gigantes do setor nos Estados Unidos erraram feio ao se mostrar hostis ao Napster, o primeiro serviço de compartilhamento de música. Quando a indústria finalmente se conscientizou de que a rede poderia dar novo alento a um mercado claudicante, milhões de dólares já haviam sido perdidos. A entrada do iTunes, em 2003, e posteriormente a criação de plataformas de streaming como Deezer e Spotify, em 2007 e 2008, ajudaram a equilibrar as contas do mercado. E mudaram os hábitos das pessoas. “O consumidor não quer mais perder tempo. Escuta música quando está fazendo outras coisas”, atesta João Augusto, presidente da gravadora Deck.

Há consequências para o modo como o ouvinte médio frui a música. O LP e o CD induziam à audição da obra toda — daí a voga do “disco conceito” nos anos 60 e 70, com o Sgt. Peppers, dos Beatles, luzindo como a criação maior dessa era. O jornalista musical Stephen Witt, entusiasta da tecnologia (“faz quase vinte anos que não compro um CD”, diz), acredita que no futuro o fã de música será cada vez mais dispersivo. “O público não tem mais paciência para escutar apenas um artista. Ele deverá optar por seleções de intérpretes e grupos variados”, prevê. A tecnologia, veja só, fará com que os hábitos voltem a padrões de décadas atrás. O consumidor vai preferir ouvir músicas individuais — como os singles dos anos 50 — a discos.

Publicado em VEJA de 26 de setembro de 2018, edição nº 2601

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