Em um artigo publicado no jornal The New York Times seis anos atrás, eu avisei que, mesmo com a tecnologia impulsionando a produtividade e o crescimento econômico, muitas pessoas estavam sendo deixadas para trás com salários medianos e estagnados desde o fim da década de 90. De lá para cá, a economia criou 151 milhões de empregos em todo o mundo, porém o desafio continua: não há postos com remuneração boa o suficiente. Como dizia o economista americano Robert J. Gordon, “não temos um problema de quantidade de trabalho, temos um problema na qualidade do trabalho”.
Assim, embora possa ajudar, a tecnologia sozinha não consegue trazer uma solução. A inovação tecnológica há muito tempo é um impulsionador da criação de riqueza. Temos mais milionários e bilionários do que nunca, e sete das empresas mais valiosas do planeta — Apple, Amazon, Google, Microsoft, Facebook, Alibaba e Tencent — são de tecnologia. E não somente essas, de negócios digitais, estão transformando o mundo, mas também as empresas de setores tradicionais como as de Elon Musk — Tesla, SpaceX e Solar City —, dependentes do desenvolvimento de novas tecnologias e que estão impulsionando mudanças na indústria automobilística, de aviação e energia.
A tecnologia, no entanto, enfrenta uma reação ascendente e é cada vez mais responsável pela crescente desigualdade e pela falta de demanda em muitos tipos de ocupação. O aumento da automação de tarefas repetitivas resultou em um mercado de trabalho sem equilíbrio, com muitos empregos de alta qualificação com bons salários e ocupações de baixa qualificação e remuneração reduzida, ocasionando um esvaziamento dos postos intermediários. E, para muitos trabalhadores, essa transição tem sido mais do que uma teoria econômica. É uma realidade dolorosa vivida todos os dias.
A pesquisa pioneira dos economistas americanos Anne Case e Angus Deaton, que documenta o crescente número de suicídios e de mortes por alcoolismo entre a classe trabalhadora, consegue trazer uma indicação sobre os efeitos capciosos da estagnação salarial. Ao analisar esses números, minha aposta é que nós devemos e podemos fazer melhor. Como? Usando a tecnologia para não somente criar riqueza como também empregos — e de qualidade. Em outras palavras, podemos inovar de maneira a não só proporcionar prosperidade para poucos, mas prosperidade compartilhada para muitos. Inventar um futuro em que o trabalho será melhor do que o que conhecemos hoje. Contudo, criar um futuro com indústrias e postos que ainda não existem requer uma liderança visionária e ação imediata. Precisamos reconhecer e recompensar os inovadores inclusivos que já estão seguindo essa tendência. Esses inovadores são empresários de todos os setores e origens que usam uma variedade de ferramentas e tecnologias com um objetivo comum: a prosperidade compartilhada.
Um estudo recente da consultoria Accenture estimou que 65% das crianças que atualmente estão na escola terão empregos que ainda não existem. Não podemos prever com exatidão quais serão eles, mas podemos antecipar em quais mercados aparecerão e nos preparar para isso. Habilidades técnicas, como codificação e análise de dados, aprendidas através da engenharia e da matemática, permanecerão fundamentais nos próximos anos. Além disso, como argumento em A Segunda Era das Máquinas (2014), as inovações permitidas pela inteligência artificial e pelas máquinas que aprendem muitas vezes aumentam a demanda por capacidades claramente humanas, a exemplo da empatia, como complemento das ciências exatas.
Na América Latina, a Laboratoria, um treinamento de ciência da computação com duração de seis meses, está ensinando a mulheres de baixa renda tanto habilidades técnicas quanto habilidades pessoais, como trabalho em equipe e colaboração, exigidas de programadores e designers de aplicativos. Após a formatura, 80% das alunas da Laboratoria encontram ocupações que pagam três vezes o que ganhavam antes do curso. O ex-presidente Barack Obama reconheceu seu impacto quando disse que “a taxa de sucesso da Laboratoria foi extraordinária”.
Embora esse seja um exemplo promissor, a criação e a preparação de trabalhos do futuro não são suficientes. É preciso aproveitar a mão de obra que não será incluída rapidamente pelos treinamentos mundo afora. Felizmente, os empreendedores estão resolvendo esse descompasso entre oferta e demanda de mão de obra usando plataformas digitais e algoritmos. A empresa Apli, que funciona como agência de empregos, utiliza tecnologia para automatizar os processos de recrutamento. Um chatbot dotado de inteligência imita uma entrevista para candidatos subempregados — estudantes, mães solteiras, trabalhadores intermitentes —, reunindo de forma precisa mais informações sobre eles do que uma equipe de recursos humanos poderia fazer. Essa abordagem é mais objetiva em termos de tempo e recursos, preenchendo os postos de trabalho em 24 horas, e não em 52 dias, o ciclo médio de recrutamento.
Com o mercado de trabalho mais eficiente, empregados e empregadores vão ganhar. Todos têm um papel para cumprir na promoção da inovação inclusiva. Empreendedores focados em criação de empregos, desenvolvimento de habilidades e combinação de oportunidades precisam do apoio de um forte ecossistema de inovação. Os líderes do setor público podem defender o empreendedorismo e o futuro das políticas de trabalho. A comunidade de investimentos pode levar os empreendedores para fora dos centros de inovação típicos, como o Vale do Silício, e disseminar os recursos de forma mais ampla. Universidades, escolas técnicas e até mesmo escolas primárias podem trabalhar para preparar as pessoas para prosperarem nesse novo ambiente.
No Instituto de Tecnologia de Massachusetts (MIT), lançamos o Desafio de Inovação Inclusiva (IIC, na sigla em inglês) para reconhecer e premiar os inovadores com 1,5 milhão de dólares em apoio ao seu trabalho. Tanto a Laboratoria como a Apli, que citei anteriormente, são exemplos vencedores da IIC na América Latina. Enquanto os empreendedores usam a tecnologia como uma ferramenta para promover a prosperidade compartilhada em nossa economia digital, uma ampla rede de interessados deve ajudar a catalisar seu sucesso.
A tecnologia tem sido uma faca de dois gumes, criando uma riqueza recorde, mas também deixando as pessoas para trás. A resposta não é abandonar a tecnologia, e sim ser criativo na maneira como a empregamos.
* Erik Brynjolfsson é diretor do centro do MIT para Negócios Digitais, professor da MIT Sloan School of Management, pesquisador associado do National Bureau of Economic Research e coautor de A Segunda Era das Máquinas, escrito com Andrew McAfee
Publicado em VEJA de 26 de setembro de 2018, edição nº 2601