Fazer regime é privar-se de pão, macarrão, batata e tudo o que se encaixe na demoníaca qualificação de carboidrato, o nome científico das coisas que engordam. O low carb, esse princípio da vida moderna, continua a vigorar nas dietas da moda e a fazer infelizes os bons de garfo que precisam perder alguns quilos. A eles, uma esperança: pesquisa divulgada na revista The Lancet concluiu que fibras — presentes nos grãos em geral, nas farinhas, no trigo da macarronada da mamma — são essenciais para a prevenção de uma série de doenças graves. O estudo mostra que reduzir a quase nada as fibras nas dietas — o que acontece, naturalmente, quando carboidratos são proibidos — priva o organismo de nutrientes essenciais para seu bom funcionamento. O consumo regular de fibras e, portanto, dos tão malfalados carboidratos não só é saudável como também diminui o risco de se vir a morrer em consequência de três tipos de enfermidades: doenças cardíacas (menos 32% de probabilidade), acidentes vasculares (menos 22%) e câncer de intestino (menos 16%). Para chegar a essa conclusão, o pesquisador Jim Mann, médico e professor de nutrição da Universidade de Otago, na Nova Zelândia, analisou estudos envolvendo 1 milhão de pessoas.
Para quem faz regime, um benefício concreto e cotidiano apontado pela pesquisa é reinstalar o pãozinho no café da manhã. Consumir duas fatias feitas com trigo integral supre um quinto da necessidade diária de fibra, além de prover ao organismo cálcio, ferro e vitaminas do complexo B. “É equivocado achar que pão não é saudável. Mesmo o pão branco, feito com trigo de que se removeram o germe, seu centro rico em nutrientes, e o farelo, sua camada externa, continua a ter uma quantidade de fibras equivalente à de uma banana, por exemplo”, diz Helen Bond, porta-voz da Associação Dietética Britânica.
A ingestão de fibras é crucial para alimentar a microbiota, o vasto conjunto de fungos e bactérias que regula o sistema digestivo. A média mundial de consumo está hoje em 20 gramas por dia, inferior ao mínimo recomendado, de 25 a 30 gramas diárias. Pelos cálculos da pesquisa de Jim Mann, se 1 000 pessoas aumentarem a ingestão de fibras para o mínimo, treze mortes poderão ser evitadas. “A longo prazo, dietas muito restritivas resultam em deficiência de nutrientes essenciais, como vitaminas e minerais”, diz a médica Maria Edna de Melo, diretora do Departamento de Obesidade da Sociedade Brasileira de Endocrinologia e Metabiologia.
As dietas low carb — como Atkins, paleolítica, Dukan e tantas outras que vão e vêm, ora estão em voga, ora não — pregam que, privado de carboidratos, o organismo vai buscar energia diretamente nas células de gordura, acelerando o processo de perda de peso. Há, porém, efeitos colaterais nítidos, como diminuição da atenção e da memória, alterações de humor e queda da imunidade, como alerta outra pesquisa, essa da Universidade Tufts, em Massachusetts, nos Estados Unidos. “O carboidrato é a principal fonte de energia para o corpo e o cérebro, e sua limitação impacta diretamente o desempenho físico e mental do indivíduo”, esclarece Paulo Roberto Santos-Silva, fisiologista do Centro de Medicina Esportiva do Hospital das Clínicas de São Paulo.
A reabilitação do carboidrato torna ainda mais saborosa a derrubada de outros mitos no mundo dos regimes alimentares. No ano passado, John Sievenpiper, pesquisador do Centro de Nutrição Clínica do Hospital St. Michael, no Canadá, promoveu trinta testes clínicos que envolveram mais de 2 500 pessoas e concluiu, vejam só, que macarrão emagrece. De acordo com o nutricionista, à diferença da maioria dos carboidratos refinados, o índice glicêmico do macarrão é baixo e não eleva o açúcar no sangue. Os participantes dos testes ingeriram uma média de 3,3 porções de massa por semana e perderam 1,5 quilo ao longo de doze semanas. “O consumo de macarrão não resultou em ganho de peso nem em aumento da gordura corporal. Houve, ao contrário, uma pequena perda”, relatou Sievenpiper.
A proliferação das dietas low carb tem provocado uma reviravolta nos hábitos alimentares enraizados na cultura de cada país. No Brasil, o consumo de feijão, parte do cardápio em todas as casas, caiu pela metade nas últimas quatro décadas. Pesquisadores da Universidade de Surrey, na Inglaterra, alertaram em dezembro passado sobre a perda de popularidade da batata: seu consumo diminuiu 40% no mundo, uma perda nutritiva relevante, visto que a batata-inglesa, principalmente, é uma fonte de vitaminas — basta uma para suprir a necessidade diária das vitaminas C e B6. Ao contrário do que se costuma acreditar, a ingestão de batata não dificulta a perda de peso. “Amidos proveem a entrada lenta dos nutrientes na circulação, estimulando a saciedade”, explica a médica Maria Elizabeth Rossi da Silva, chefe da Unidade de Diabetes do Serviço de Endocrinologia e Metabologia do Hospital das Clínicas da Faculdade de Medicina da USP. Segundo ela, há carboidratos e carboidratos. “Os ultraprocessados são, eles sim, os vilões do regime”, diz. Portanto, aos vencedores na luta contra a balança, as batatas — e o pão e o macarrão.
Fora da lista de “vilões”
Pão branco
Fibras regulam o sistema digestivo e previnem doenças. O trigo refinado perde boa parte dos nutrientes, mas um pãozinho contém tanta fibra quanto uma banana
Batata
Carboidratos são fonte de energia essencial para o corpo e para o cérebro. Cortá-los radicalmente da dieta, além de baixar a imunidade do organismo, afeta o humor, a memória e a atenção das pessoas
Macarrão
Ao contrário do índice glicêmico de outros carboidratos, o do macarrão é baixo e não eleva o açúcar no sangue. Pesquisa mostra que porções moderadas podem até ajudar na perda de peso
Publicado em VEJA de 27 de fevereiro de 2019, edição nº 2623
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