Na última segunda-feira, 19, a capital paulista – e algumas cidades litorâneas de São Paulo – foi surpreendida pelo que foi nomeado de “o dia que virou noite”, evento que fez o céu escurecer no meio da tarde. O fenômeno foi provocado pela combinação de uma frente fria com resíduos resultante das queimadas nas regiões Norte e Centro-Oeste do país, assim como as que atingem países vizinhos (Bolívia e Paraguai). O episódio chamou a atenção para um problema ainda maior: as intensas queimadas que acontecem há mais de duas semanas no país.
Além do dano ambiental irreparável, a fumaça tem levado muitas pessoas, especialmente crianças, aos centros médicos nas regiões por onde o fogo se alastra. Em Porto Velho (RO), por exemplo, um garoto de 4 anos está há quatro dias internado devido a uma crise de asma provocada pela fumaça que cobre a cidade desde a semana passada.
Segundo a mãe de Maycon, o menino começou a sentir falta de ar no domingo. “Ele começou a passar mal, ficou com a respiração difícil e falta de ar. Viemos correndo para a emergência e já internaram. Agora ele está melhor, mas como a névoa de fumaça se mantém muito forte por aqui, a médica achou melhor mantê-lo no hospital”, contou Maricelia Passos Damásio, de 31 anos, à BBC.
De acordo com o hospital que atende a criança, ele não é o único caso: até dia 20 de agosto já foram atendidas 500 crianças com problemas respiratórios. “Moro em Porto Velho há 20 anos, e esse, com certeza, é o pior período de incêndios. Em alguns dias, não conseguimos nem ver o sol. Isso, aliado ao tempo seco, tem causado muitos problemas de saúde na população”, explicou Daniel Pires de Carvalho, do Hospital Infantil Cosme e Damião, à BBC.
Um risco à saúde
De acordo com especialistas, a fumaça proveniente das queimadas pode afetar muito à saúde das pessoas, agravando doenças respiratórias, como asma, bronquite, rinite e Doença Pulmonar Obstrutiva Crônica (DPOC) – em alguns casos, ela pode até mesmo provocá-las em indivíduos sadios. Isso acontece porque as partículas presentes na fumaça são formadas de compostos químicos que, ao serem inalados, afetam o sistema respiratório, prejudicando as trocas gasosas (oxigênio/gás carbônico).
Um composto já conhecido por seu perigo é o monóxido de carbono (CO): quando inalado, ele chega ao sangue e se liga à hemoglobina, cuja a função é transportar oxigênio. Essa ligação não permite que essa proteína leve oxigênio até as células. “Isso tudo desencadeia um processo inflamatório sistêmico, com efeitos deletérios sobre o coração e o pulmão. Em alguns casos, pode até causar a morte”, explicou Marcos Abdo Arbex, da Faculdade de Medicina da Universidade de Araraquara (Uniara), à BBC.
Segundo especialistas, os mais afetados por esse efeitos danosos são crianças e idosos.Entre os sintomas mais comuns provocado pela inalação de fumaça de queimadas são tosse seca, falta de ar, dificuldade para respirar, dor e ardência na garganta, rouquidão, dor de cabeça, lacrimejamento e vermelhidão nos olhos. O contato com a fumaça também pode causar alergias, pneumonia, problemas cardiovasculares e insuficiência respiratória.
Câncer de pulmão
A exposição prolongada às partículas da fumaça de queimadas também aumenta o risco de câncer. Estudo brasileiro publicado na revista Nature em 2017 mostrou que esse tipo de fumaça aumenta inflamação, stress oxidativo e causa danos genéticos nas células do pulmão.
As descobertas mostraram que “o dano no DNA pode ser tão grave que a célula perde a capacidade de sobreviver e morre ou perde o controle celular e começa a se reproduzir desordenadamente, evoluindo para câncer de pulmão”. Os resultados foram obtidos quando a equipe analisou os efeitos das partículas de fumaça coletadas em Porto Velho (uma das cidades mais afetadas pelos incêndios na Amazônia) em células do pulmão humano.
Poluição
Não é apenas a fumaça das queimadas que prejudica a saúde humana. Diversos estudos publicados esta semana têm mostrado que a poluição nas cidades aumenta o risco de uma série de doenças de saúde física e – acredite – mental. O primeiro estudo, publicado no periódico The New England Journal of Medicine, descobriu que mesmo os menores níveis de exposição à partículas poluentes aumentam o risco de mortalidade precoce. De acordo com os pesquisadores, que analisaram 652 cidades no mundo, quanto mais poluição no ar, maiores são os índices de mortalidade.
Outra pesquisa, publicada na revista PLOS Biology, indicou que a poluição ambiental aumenta em 29% o risco de problemas mentais, além de elevar em 27% o risco de desenvolver transtorno bipolar. O risco de depressão chega a 6%. O trabalho foi realizado nos Estados Unidos e na Dinamarca.
Por último, estudo publicado no Journal of Investigative Medicine, apontou que a exposição à poluição provocada pelos veículos torna as pessoas duas vezes mais propensas a desenvolverem alguma deficiência visual debilitante, como a degeneração macular relacionada à idade. O trabalho analisou 40.000 pessoas entre 1998 e 2010.