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Polêmica nada doce: aspartame pode aumentar risco de câncer?

Rotulado como 'seguro' desde os anos 1980, quando fez sucesso imediato, o adoçante se torna alvo de novas pesquisas

Por Paula Felix Materia seguir SEGUIR Materia seguir SEGUINDO Atualizado em 4 jun 2024, 10h17 - Publicado em 7 jul 2023, 06h00

De tempos em tempos, os substitutos do açúcar se sentam no banco dos réus no tribunal da nutrição, acusados de causar efeitos colaterais deletérios. Até agora, a maioria foi inocentada, mas os edulcorantes, como são tecnicamente conhecidos, seguem na mira dos estudos e diretrizes científicas. O alvo da vez é o aspartame — amplamente utilizado pela indústria e pelos consumidores, ele acaba de ser classificado como “possivelmente cancerígeno” pela Agência Internacional de Pesquisa sobre o Câncer (Iarc), ligada à Organização Mundial da Saúde (OMS). A qualificação é fruto de uma revisão de 1 300 pesquisas sobre o produto e, ao que tudo indica, será chancelada na sexta-feira 14, quando um comitê misto da OMS e da Organização das Nações Unidas para Alimentação e Agricultura (FAO) vai publicar um novo parecer sobre aditivos alimentares.

Rotulado como “seguro” desde os anos 1980, quando fez sucesso imediato por ser o primeiro adoçante e eliminar qualquer traço de amargor, o aspartame nunca deixou de aparecer como alvo de estudos sobre sua possível associação a tumores. Mas daí a ligá-lo à ocorrência de câncer vai uma longa, complexa e controversa distância. A maior parte das pesquisas costuma ser feita em laboratório, com cobaias, o que não permite extrapolar resultados para humanos, ou se baseia em análises observacionais sobre os hábitos e a prevalência de doenças em uma parcela da população, o que, de novo, não comprova sem sombra de dúvida a relação de causa e efeito. Esforços não faltam: no ano passado, um estudo francês contendo dados de mais de 100 000 pessoas concluiu que quem consome adoçantes artificiais como o aspartame corre risco ligeiramente maior de ter câncer.

A reclassificação recomendada agora pela Iarc foi desancada pela indústria do setor. Aqui, a Associação Brasileira da Indústria de Alimentos para Fins Especiais e Congêneres (Abiad) declarou “corroborar a segurança para consumo do aspartame, um dos ingredientes mais pesquisados da história, com mais de noventa agências de segurança alimentar aprovando seu uso”. Uma das críticas à reclassificação reside na dificuldade de se cravar que o uso contínuo de uma substância isolada na dieta pode elevar o risco de tumores. “O que tem ficado cada vez mais claro é a relação entre o consumo frequente de alimentos ultraprocessados e o desenvolvimento de alguns tipos de câncer”, diz o médico Pedro Exman, do Centro Especializado em Oncologia do Hospital Alemão Oswaldo Cruz, em São Paulo. “E temos de levar em conta que o surgimento da doença é multifatorial, ou seja, influenciado por histórico pessoal e familiar e exposição a vários agentes ambientais.”

DIET NA BERLINDA - Refrigerante: na indústria, o aspartame substitui o açúcar
DIET NA BERLINDA – Refrigerante: na indústria, o aspartame substitui o açúcar (Annabogush/RooM/Getty Images)

Uma das preocupações levantadas por especialistas é que, ao contraindicar o aspartame, um número expressivo de pessoas pode considerar que a melhor saída é voltar a ingerir açúcar — esse, sim, um malfeitor com elo comprovado entre seu uso excessivo e o ganho de peso, que leva a uma maior propensão a tumores. No doce mundo das guloseimas açucaradas, ressaltam os entendidos, o bom senso e o equilíbrio têm sempre que prevalecer. “Se a OMS reclassificar o aspartame, não podemos estender a advertência para todos os adoçantes”, lembra o médico Rodrigo Moreira, diretor da Sociedade Brasileira de Endocrinologia e Metabologia (Sbem).

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Presente em larga escala nos produtos diet e zero açúcar e ingrediente crucial nos refrigerantes dessa categoria, o aspartame segue agora a trilha percorrida por outros adoçantes, como sucralose e ciclamato, acusados de aumentar o risco de câncer e depois reabilitados (com reticências). Em maio, a OMS, que nunca deixou de denunciar ameaças à saúde nos substitutos do açúcar, publicou uma diretriz contrária a seu uso para perder peso, por não serem feitos para esse fim (a prescrição original é para pessoas que não podem ingerir açúcar, como aquelas com diabetes) e pela suspeita de ampliar o risco de doenças cardiovasculares.

As diretrizes da OMS não têm força de lei e servem prioritariamente para abrir espaço para a reflexão. No universo da medicina, não há quem condene sua recomendação básica de que as pessoas priorizem uma alimentação mais natural e balanceada e uma rotina de exercícios como estratégia para emagrecer os assombrosos índices de obesidade na população do planeta. Como a fórmula, mais do que conhecida, não é obedecida pela maioria das pessoas, a dieta personalizada, com ou sem adoçantes, acaba sendo imprescindível na luta contra o excesso de peso, com todas as controvérsias que esses regimes acarretam. No entra e sai dos edulcorantes no tribunal da nutrição, uma coisa é certa: a sentença final não será dada tão cedo.

Publicado em VEJA de 12 de julho de 2023, edição nº 2849

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