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O remédio para diabetes que pode reduzir doenças cardiovasculares

Estudo com pacientes obesos, inclusive brasileiros, investiga benefícios de semaglutida; resultados devem ser divulgados no fim de 2023

Por Paula Felix Materia seguir SEGUIR Materia seguir SEGUINDO Atualizado em 2 set 2022, 11h03 - Publicado em 1 set 2022, 20h01

Há quase 50 anos, a medicina experimentava as primeiras aprovações por agências reguladoras de medicamentos voltados a combater a obesidade, sabidamente responsável por aumentar os riscos de doenças cardiovasculares como infarto, acidente vascular cerebral (AVC) e demais episódios que podem ser incapacitantes e levar à morte. Até os anos de 2010, as tentativas de reduzir o peso para proteger o coração e toda sua complexa rede fracassaram diante de efeitos colaterais avassaladores. Depressão, ataques cardíacos e ideações suicidas fizeram com que obesos dependessem da combinação de exercícios e dieta, cirurgia bariátrica ou de medicações com impactos sutis para evitar e reduzir danos ao órgão e artérias. Mas um divisor de águas pode estar se aproximando com os novos medicamentos desenvolvidos para o tratamento de diabetes e que já são usados para obesidade estão demonstrando potencial para a proteção da saúde cardiovascular, reduzindo a pressão arterial e evitando o acúmulo de gordura nas artérias (aterosclerose). Na última semana, o fármaco semaglutida esteve no centro dos principais painéis do congresso da Sociedade Europeia de Cardiologia (ESC, na sigla em inglês), realizado em Barcelona, na Espanha, como uma droga a entrar no rol de indicações de especialistas para atacar o problema.

Na última década, estudos têm ajudado a consolidar a ideia de que eventos cardiovasculares, diabetes tipo 2 e obesidade formam um triângulo a ser enfrentado conjuntamente e que as estratégias de tratamento não devem permitir que nenhum dos lados fique descompensado. Até então, o desafio parecia difícil de ser enfrentado. Os remédios voltados para diabetes eram como uma bomba para o coração e a ciência precisou aprofundar as pesquisas sobre novas opções de drogas a partir de 2008, quando a agência reguladora americana Food and Drug Administration (FDA) determinou que a indústria farmacêutica implementasse meios para evitar o risco cardiovascular nessa classe de medicamentos.

Com o avanço do trabalho baseado nessas diretrizes, houve o advento das substâncias que atuam em receptores de hormônios produzidos pelos intestinos, como o GLP-1, importante para a regulação do apetite e um redutor do ritmo de esvaziamento do estômago, algo que aumenta a duração da sensação de saciedade. A partir disso, uma reação em cadeia começou a surpreender os pesquisadores.

A semaglutida se mostrou eficaz contra a diabetes, mas os pacientes também passaram a ter uma perda de peso que atingiu 17% na dosagem de 2,4 mg aplicada uma vez por semana. E os estudos mais recentes apontam que o coração acaba sendo beneficiado nesse processo. “É uma droga para diabetes que tem ações indiretas na redução da pressão arterial, do peso, diminui a inflamação do organismo e tem ação antiaterosclerose”, detalha Marcelo Assad, presidente do departamento de aterosclerose da Sociedade Brasileira de Cardiologia. Os benefícios cardiovasculares em pacientes com diabetes foram comprovados em um estudo com 4.807 pessoas publicado em 2018. Entre os efeitos colaterais, estão: náusea, diarreia e vômitos.

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Dados de vida real de quem tem diabetes tipo 2 e aterosclerose indicam que a semaglutida pode ser o caminho para reduzir, de forma significativa, o risco de AVC. Conduzida pela University Hospital Llandough, no Reino Unido, e apresentada no congresso da ESC, uma análise com 17.920 mil norte-americanos com diabetes tipo 2 e 4.234 com diabetes tipo 2 e aterosclerose comparou quem fez o tratamento com a medicação e aqueles que receberam um inibidor de uma proteína chamada dipeptidil peptidase 4 (DPP-4i), que atua no controle da glicose no sangue.

No grupo da semaglutina, 34 participantes com diabetes tipo 2 tiveram AVC. Entre os que receberam DPP-4i, foram 60. Os resultados foram ainda melhores no grupo com diabetes e aterosclerose: 13 episódios entre os que receberam semaglutida e 32 nos que tomaram a DPP-4i. Atualmente, a semaglutida está liberada para o uso em pacientes com diabetes em vários países, como o Brasil, onde a dosagem permitida é de 1 mg. Para obesidade – com dosagem de 2,4 mg -, a aprovação foi dada em alguns locais, como Estados Unidos, Reino Unido e Japão.

Embora a medicação tenha demostrado indícios de proteção cardiovascular, não há estudos focados neste aspecto para comprovar a constatação. A dúvida é se, diante de tantos indícios de que o coração pode ser blindado por essa medicação, os mesmos resultados serão alcançados em pacientes sem diabetes e apenas com obesidade, uma doença crônica que atinge índices alarmantes. Há 1 bilhão de obesos no mundo e a Organização Mundial da Saúde (OMS) estima que, em três anos, 167 milhões de pessoas terão a saúde afetada pelos quilos excedentes.

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Mesmo sendo uma epidemia, a corrida para frear esse processo é tomada por obstáculos e o principal é a dificuldade de fazer com que os pacientes iniciem e mantenham a implementação de hábitos saudáveis. Estigma e preconceito também são barreiras. “É uma doença complexa, com alvos difíceis. Sabemos que 30% das pessoas obesas foram diagnosticadas e menos de 12% faz tratamento”, declarou, a uma plateia de cardiologistas, Luc Van Gaal, professor emérito do hospital da Universidade da Antuérpia, na Bélgica.

A expectativa, agora, é para o estudo Select, realizado pela farmacêutica dinamarquesa Novo Nordisk com a medicação e que conta com a participação de 17,5 mil pessoas obesas de mais de 45 anos em 41 países, incluindo o Brasil, onde 600 voluntários serão avaliados. Os resultados devem ser apresentados no fim do próximo ano.

“Temos visto que há o potencial para a redução de doenças cardiovasculares, mas nosso trabalho é ter dados e evidências para confirmar e fornecer subsídios para as agências reguladoras e para que as sociedades médicas elaborem diretrizes”, afirma Martin Lange, vice-presidente executivo de desenvolvimento da empresa. Em um tema tão sensível, que envolve doenças tão graves, o rigor científico é bem-vindo. Enquanto essas provas não chegam, a alimentação saudável, prática de exercício físico e o controle das doenças crônicas continuam sendo a tríade que nunca sairá das recomendações médicas.

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