A aprovação de uma vacina eficaz contra o novo coronavírus é certamente o anúncio mais esperado do ano. O imunizante desenvolvido pela Universidade Oxford em parceria com a farmacêutica britânica AstraZeneca é a opção que está na fase mais adiantada de testes em humanos, além de ser considerado o mais promissor até o momento.
Recentemente, o Brasil passou a fazer parte dessa história. No início de junho foi anunciado a participação do país nos testes clínicos fase 3 dessa vacina. Atualmente, somos o único país fora da Europa e dos Estados Unidos a participar da iniciativa. Em reportagem publicada na semana passada, VEJA trouxe detalhes desta pesquisa e de como está a corrida global para desenvolver uma vacina segura e eficaz em um curtíssimo espaço de tempo.
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Clique e AssinePara isso, VEJA ouvimos líderes e especialistas de empresas e instituições de pesquisa que estão à frente destes esforços avançados. Um destes especialistas é Fraser Hall, presidente da AstraZeneca Brasil. Em decisões inéditas, a empresa se comprometeu a comercializar a vacina sem nenhum lucro durante a pandemia e anunciou o início da produção do imunizante antes mesmo da validação de sua eficácia. Embora seja uma estratégia de risco, é a única forma de a AstraZeneca cumprir a meta estabelecida publicamente de entregar 400 milhões de doses da vacinas entre setembro e outubro.
Abaixo você confere a íntegra da entrevista realizada por VEJA, via vídeo-conferência, com Hall, que dá mais detalhes sobre a inserção do Brasil nos estudos clínicos, a aprovação do estudo pela Anvisa e a estratégia global da empresa para conseguir produzir e distribuir o imunizante o mais rápido possível para diferentes países, caso ele se mostre eficaz nos estudos.
De quem foi a ideia de trazer o estudo para o Brasil? Qual é a história por trás dessa decisão? Acho que dois fatores contribuíram para trazer o estudo ao Brasil. A primeira é que já havia um bom relacionamento entre as partes, além da reputação global do Brasil como um centro de vacinas e em sua boa reputação na condução de pesquisas clínicas. O segundo fator é o fato da epidemia estar avançando no país e, com uma vacina, você quer que o efeito apareça o mais rápido possível e é mais provável que aconteça em um país no qual ainda há uma alta taxa de contágio.
Em entrevista de imprensa, o então ministro da Saúde Nelson Teich já havia falado sobre a possibilidade de o Brasil participar dos testes clínicos dessa vacina. Há quanto tempo existe essa negociação? Há muitos países e muitas instituições interessados em participar desse estudo. Acho que quando o ministro Teich falou sobre isso, estávamos nos estágios iniciais do processo. Geralmente essas coisas não são feitas da noite para o dia. Demanda muito trabalho. É preciso recrutar os centros, garantir a infraestrutura… Enfim, muitos processos diferentes são envolvidos e isso não acontece de repente. Mas em geral, foi tudo muito rápido. Demorou cerca de dois meses entre o conceito inicial do estudo até podermos fazer o anúncio publicamente sobre seu início.
Qual é o papel da AstraZeneca na realização dos estudos clínicos no Brasil? Os estudos clínicos da vacina são liderados pela Universidade Oxford. Nós chegamos a um acordo com eles no qual nós vamos atuar na continuação do desenvolvimento e distribuição da vacina. No estudo clínico em si nós estamos envolvidos no monitoramento e coleta de dados. Estou em contato com o pesquisador principal, também estamos auxiliando em discussões com a Anvisa e somos responsáveis pela importação da vacina para que o estudo possa ser iniciado.
Quando vocês submeteram o pedido de aprovação da pesquisa à Anvisa? Foi rápida a aprovação? Acho que a Anvisa fez um trabalho fantástico. Eles [Anvisa] anunciaram no início da pandemia que teriam um processo acelerado para terapias direcionadas à Covid e encolheram o tempo total de aprovação para três dias, o que é fantástico. Muitas outras agências regulatórias ao redor do mundo estão fazendo a mesma coisa. Mas eu acho que a Anvisa realmente está fazendo um ótimo trabalho. Outra coisa que ajudou é que como nós já sabíamos que iríamos submeter o pedido, nós começamos as conversas com a Anvisa cerca de 10 dias antes da submissão da aplicação em si. Então, nesse período, os responsáveis puderam conversar com a equipe regulatória do Reino Unido, incluindo a MHRA [Agência Reguladora de Medicamentos e Produtos de Saúde do Reino Unido] e isso também ajudou a acelerar o processo. Tem sido realmente impressionante a rapidez com que conseguimos trazer o estudo para o Brasil. E, esperançosamente, dentro dos próximos 10 – 15 dias, devemos começar o teste.
Em quanto tempo teremos resultados preliminares do estudo? A pesquisa será realizada em pessoas saudáveis que trabalham no sistema de saúde. Precisamos de pessoas que estejam expostas ao vírus, mas que não tenham contraído a doença, porque se isso aconteceu, elas já tem anticorpos contra o vírus, que é exatamente o que a vacina faz. Assim que essas pessoas forem recrutadas, começamos a aplicação das vacinas e a expectativa é ter resultados preliminares em agosto ou início de setembro.
Quais países participam dessa pesquisa clínica? Atualmente a pesquisa está no Reino Unido, com 10.000 voluntários, nos EUA com 30.000 voluntários e 2.000 no Brasil. Em breve outros países da África podem ser incluídos pelo segundo motivo que trouxe o estudo ao Brasil, que o avanço da epidemia nesses locais.
Há uma preocupação de que o Brasil será um dos últimos países a receber uma vacina, quando houver uma. Na sua opinião, o fato de o Brasil estar envolvido no estudo pode facilitar o acesso à vacina? Eu diria que essa é a questão chave nesse momento. Basicamente, estamos trabalho em três áreas diferentes. A primeira é que estamos olhando para tratamentos além da vacina. São drogas que existem em nosso portfólio e poderiam ser usadas no tratamento de diferentes estágios da doença. A segunda questão é que estamos trabalhando com o governo brasileiro para entender quantas doses eles precisam e essa não é uma questão óbvia porque exige muito trabalho estatístico. A terceira questão é em relação ao fornecimento. Pelo fato dessa ser a vacina em estágio mais avançado de desenvolvimento, há uma demanda gigante. Os EUA já reservaram 300 milhões de doses. O Reino Unido, 100 milhões. Também estamos em contato com organizações não governamentais como Gavi [organização internacional que busca melhorar o acesso à imunização em países pobres] e Cepi [Coalizão de Inovações em Preparação para Epidemias], que estão solicitando uma grande quantidade de doses. Então nós estamos olhando para a cadeia global de suprimentos para garantirmos que temos as melhores plantas de fabricação, com a maior capacidade, para que possamos abastecer a maioria de países e atender a maior quantidade de pessoas, o mais rápido possível. Desde que a pesquisa clínica seja bem sucedida, é claro.
Depois que o Brasil definir a quantidade de doses necessárias, quando a vacina chegará aqui? Eu não posso confirmar quando ela estará disponível, mas eu posso te dizer qual é o nosso objetivo, qual é o prazo com o qual estamos trabalhando. Nosso objetivo é entregar as doses ainda este ano. Espero que nas próximas semanas, antes do final de junho, nós possamos anunciar tanto o número de doses solicitadas pelo Brasil como a forma como poderemos entregar essas doses para o país.
Existe a possibilidade da vacina ser produzida no Brasil? Nós temos uma fábrica no Brasil, em Cotia (SP), mas essa unidade não produz vacinas. De qualquer forma, sabemos que o Brasil tem uma grande capacidade na produção de vacinas e estamos avaliando todas as possibilidades. Mas o principal desafio que enfrentamos é que não podemos simplesmente abrir centenas de fábricas ao redor do mundo. Em termos de fornecimento de matéria-prima, distribuição e também qualidade isso se torna um problema. O principal desafio que temos agora é como podemos garantir que nós temos mapeados os maiores centros de produção ao redor do mundo e depois ter clareza dos governos da quantidade que eles precisam para que possamos incluir essas demandas e fornecer o mais rápido possível.
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Coamo está a capacidade de produção da AstraZeneca? Inicialmente, nós tínhamos capacidade para produzir 1 bilhão de doses. Recentemente adicionais mais um bilhão de doses à nossa capacidade, graças a uma parceria com o Instituto Serum da Índia, que é um grande produtor de vacina. Então a todo momento estamos olhando para a cadeia e vendo como podemos aumentar nossa capacidade, porque o processos de manufatura tem dois pontos diferentes. Um é a produção do imunizante em si, que nós chamamos de substância, e o segundo é o produto, que é quando essa substância é envasada e distribuída. No momento, nós estamos nos concentrando em ter uma quantidade suficiente da matéria-prima para fabricar o imunizante. E depois nós vamos analisar as melhores opões para enviar esse material para lugares diferentes, envasar e distribuir nas regiões. Além disso, estamos trabalhando com diferentes agentes, como a Fundação Gates, Cepi, Gavi e governos ao redor do mundo para que tenhamos o mix de fabricação que irá garantir a melhor cobertura, porque nossa prioridade é a mesma em termos de qualidade, velocidade e capacidade.
Vocês têm um prazo para produzir esses 2 bilhões de doses? Não. Nós devemos ter os resultados dos estudos clínicos no final de agosto ou início de setembro e isso indicará se a vacina funciona. Mas nós vamos começar a produção nas próximas semanas. Basicamente isso significa que iniciamos a produção antes mesmo de ter os resultados, o que é um risco, mas é como podemos cumprir o prazo de entregar entre setembro e outubro as doses que já nos comprometemos. Portanto, estamos iniciando a fabricação agora e ela aumentará gradualmente à medida que colocamos mais plantas em operação nas próximas seis a oito semanas.
A AstraZeneca disse publicamente que a expectativa é ter 400 milhões de doses prontas em setembro. Os Estados Unidos já pediram 300 milhões e o Reino Unido 100 milhões. Ou seja, todo esse fornecimento inicial será direcionado para eles? Sim. No momento, nós estamos no processo de receber pedidos de diferentes países e nós esperamos anunciar esses novos pedidos nas próximas semanas. Outras organizações, como a Cepi, Gavi e a OMS estão trabalhando para garantir que haja equidade na distribuição das vacinas para países em desenvolvimento [no início de junho a empresa chegou a um acordo de 750 milhões de dólares com o Cepi e Gavi para apoiar a fabricação, aquisição e distribuição de 300 milhões de doses da vacina, com entrega prevista para o final deste ano. Além disso, o licenciamento será feito com o Instituo Serum da Índia para fornecer um bilhão de doses para países de baixa e média renda, com o compromisso de fornecer 400 milhões antes do final de 2020].
Há expectativa que a FDA [agência americana que regula tratamentos] aprove o uso emergencial da vacina, assim que houver comprovação da eficácia, antes da aprovação formal. No Brasil, a Anvisa pode fazer o mesmo? O processo normal de aprovação de um novo tratamento leva entre 9 e 12 meses. E, obviamente, esse não é um período que podemos esperar neste momento. Então há muita discussão sobre esse assunto, não apenas nos Estados Unidos, sobre como esse período de aprovação será reduzido. O mais importante, em qualquer tratamento, é a segurança do paciente. Não há sentido usar algo que poderia fazer mais mal do que bem. Então nosso foco é acelerar o processo sem comprometer a qualidade da análise e a segurança do paciente. Acho que haverá um processo de aprovação acelerado, mas certamente isso não será feito a custo da qualidade ou da profundidade da análise.
Em relação à parceria da Astrazeneca com a Universidade Oxford, como funciona? Esse tipo de parceria é comum? A indústria farmacêutica sempre teve uma relação muito próxima com instituições acadêmicas porque uma grande quantidade de boas ideias e inovação vem das universidades. Um exemplo disso é que há cerca de sete anos AstraZeneca mudou sua sede global para Cambridge, para estar perto da Universidade de Cambridge e fazer parte deste ambiente acadêmico. Então acho que é algo bem normal para nós, a parceria com instituições acadêmicas. Agora em relação os bastidores dessa parceria específica, de Oxford com a AstraZeneca para o desenvolvimento da vacina, eu não sei te dar detalhes. Acho que algo importante de lembrar é que nós não estamos fazendo tudo isso para ter lucro. A AstraZeneca não está lucrando nessa colaboração. Essa é uma parte muito importante do nosso compromisso em tentar seguir em frente para encontrar uma solução para esse problema global. Afinal, é um problema de saúde, econômico e social e nós estamos em uma posição única, em questão de conhecimento científico, para oferecer algumas soluções e eu acho ótimo fazer parte de uma empresa que pensa dessa forma. O governo britânico também está bastante envolvido nessa questão.