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Melatonina melhora sono, mas pode piorar inflamação intestinal

Hormônio usado para dormir pode ser prejudicial em casos de doença de Crohn e retocolite ulcerativa, segundo estudo com camundongos

Por Ricardo Muniz, da Agência Fapesp
Atualizado em 4 jun 2024, 10h49 - Publicado em 28 abr 2023, 17h06

Artigo publicado na revista Microorganisms demonstra que a melatonina, a despeito de seu efeito antioxidante e regulador do sono, pode piorar a inflamação intestinal, dependendo do conjunto de bactérias que vivem no corpo humano, especialmente no intestino do hospedeiro – ou seja, da microbiota, antigamente chamada “flora intestinal”.

A melatonina é conhecida popularmente como “hormônio do sono”. Tem sido bastante corriqueiro as pessoas, sem prescrição médica e de forma não diretamente acompanhada, fazerem uso de melatonina para dormir melhor. “O ‘x’ da questão é que todo mundo acha que é inócuo, que um hormônio como a melatonina não faz nada de mau, só melhora o sono, e o que estamos mostrando é que as pessoas têm de ficar atentas e alertas, porque uma suplementação hormonal pode melhorar o sono, mas pode piorar outra coisa”, diz Cristina Ribeiro de Barros Cardoso, professora de imunologia e neuroimunoendocrinologia da Faculdade de Ciências Farmacêuticas de Ribeirão Preto da Universidade de São Paulo (FCFRP-USP).

O laboratório de Cristina trabalha com enfermidades inflamatórias intestinais, entre elas doença de Crohn e retocolite ulcerativa. São condições imunomediadas, ou seja, dependentes de uma resposta imunológica descontrolada que acaba causando destruição no trato gastrointestinal e efeitos clínicos muito fortes, como dores abdominais, diarreias constantes, sangramentos e muita fadiga. O tratamento depende da supressão ou inibição da imunidade. É preciso diminui-la para reduzir a inflamação excessiva que causa danos ao intestino. Além de corticoides e imunossupressores, há tratamentos com medicamentos imunobiológicos mais efetivos para casos moderados e graves, porém, de altíssimo custo e, por isso mesmo, de acesso mais difícil para a população, sendo fornecidos apenas em condições específicas pelo Sistema Único de Saúde (SUS) ou por convênios particulares via ações judiciais.

“O que nosso laboratório tem feito é entender melhor essas doenças e propor novos tratamentos, mais acessíveis”, explica a professora, que é graduada em odontologia pela Universidade Federal de Uberlândia e doutora em imunologia básica e aplicada pela USP, com estágio pós-doutoral no Forsyth Institute, afiliado à Harvard School for Dental Medicine, nos Estados Unidos.

Além da questão do acesso financeiro, a pesquisadora ressalta que muitos pacientes não respondem adequadamente nem mesmo aos tratamentos mais modernos e dispendiosos, sendo necessárias cirurgias para a remoção de partes do intestino. Estas são procedimentos bastante invasivos para os pacientes, com consequências diretas na sua qualidade de vida. “Então temos buscado nos últimos anos novas opções terapêuticas, principalmente com base na modulação ou regulação de respostas imunológicas.”

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Com anos de experiência na pesquisa de hormônios, a melatonina entrou no foco de investigação do grupo de Cristina. “Veja, de forma nenhuma estou falando que a melatonina não tem efeitos benéficos, muito pelo contrário, e há poucos estudos ou relatos de efeitos colaterais adversos”, ela ressalva. A melatonina pode atuar como antioxidante e melhorar diversas condições fisiológicas ou patológicas. “Então começamos esse trabalho imaginando que teríamos um potencial novo tratamento para doença de Crohn e retocolite ulcerativa, mas, para nossa surpresa, o que vimos foi exatamente o contrário. E esse alerta precisa ser feito.”

Após induzida a doença intestinal de forma experimental em camundongos, quando eles eram tratados com melatonina, ao invés de melhorar, pioravam. “Por esse trabalho com animais de laboratório – é importante ressaltar que não foi com pacientes humanos, foi com camundongos – a inflamação intestinal piora, e piora muito.”

“A partir daí começamos a tentar entender os porquês da piora. E o que vimos é que se tirarmos a microbiota do contexto, se a gente fizer um tratamento de amplo espectro com antibióticos nesses camundongos, eliminando todas essas bactérias, a melatonina passa a ter um efeito positivo na doença.” Ou seja, o efeito negativo da melatonina depende das bactérias que vivem no intestino e que também estão relacionadas às doenças inflamatórias intestinais. Certas configurações da microbiota fazem com que o tratamento com melatonina aumente os parâmetros inflamatórios e leve o sistema imunológico por um caminho ainda mais desregulado, que intensifica os danos ao trato gastrointestinal.

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“Qual a mensagem disso tudo? Eu diria: nem tudo que reluz é ouro. A gente tem de tomar muito cuidado com medicamentos, suplementações hormonais ou hormônios que são administrados com capa de suplemento alimentar. Ou seja, você vai na farmácia, compra um ‘suplemento alimentar’ achando que não é medicamento, que não vai alterar nada o seu corpo, que só vai fazer bem porque afinal de contas é vendido como suplemento alimentar, quando na verdade não é bem isso”, adverte a pesquisadora. “É um hormônio e, assim como outros hormônios no nosso corpo, existe uma regulação muito fina da interação entre esses hormônios e a imunidade.”

Suplemento alimentar

Há pouco tempo, a Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa) atualizou as informações e regras sobre o uso de melatonina como suplemento alimentar, mas, ainda assim, o controle não é o mesmo daquele realizado para medicamentos, mais rígido. “É importante pontuar isso, porque a gente fala que tem que ficar atento, mas aí as pessoas talvez pensem ‘ah, mas eu vou ali na farmácia e compro livremente, a Anvisa autorizou’. Sim, mas autorizou sob o nome de suplemento alimentar e aí o questionamento que nós estamos levantando com esse trabalho agora é: será que é mesmo só um suplemento alimentar? Será que realmente não tem riscos?”

O estudo é um dos resultados de projeto coordenado por Cardoso e financiado pela Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo (Fapesp). Também é assinado por Jefferson Luiz da Silva, Lia Vezenfard Barbosa, Camila Figueiredo Pinzan, Viviani Nardini, Irislene Simões Brigo, Cássia Aparecida Sebastião, Jefferson Elias-Oliveira, Vânia Brazão, José Clóvis do Prado Júnior e Daniela Carlos, cientistas atuantes no Departamento de Análises Clínicas, Toxicologia e Ciências de Alimentos da FCFRP e do Departamento de Bioquímica e Imunologia da Faculdade de Medicina da USP em Ribeirão Preto.

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