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EVT: tratamento revolucionário contra AVC retira o coágulo pela virilha

Feito no Brasil, procedimento é uma espécie de cateterismo que pode salvar milhares de vidas e extinguir sintomas da doença que mata 6,5 milhões no mundo

Por Simone Blanes Materia seguir SEGUIR Materia seguir SEGUINDO 1 jun 2023, 18h47

Desenvolvido recentemente, o EVT – trombectomia endovascular – é visto por especialistas como um futuro tratamento revolucionário para o AVC isquêmico, tipo de acidente vascular cerebral provocado por um bloqueio – geralmente um coágulo – em um vaso sanguíneo do cérebro, que impede o fluxo de sangue. Segundo os médicos, essa nova terapia pode salvar milhões de vidas, pois promove uma melhora real nos pacientes, quando realizado com rapidez suficiente.

Espécie de cateterismo, é um procedimento feito por um neurorradiologista que, guiado por imagens de raio-X, penetra a artéria femoral do paciente na parte superior da coxa interna, onde se coloca um microcateter direcionado ao cérebro. Assim, o coágulo pode ser extraído da artéria cerebral e retirado por meio de um corte na virilha, restaurando o fluxo sanguíneo e fazendo desaparecer os sintomas.

Bem diferente dos tratamentos atuais para casos de AVC que, na melhor das hipóteses, deixa o paciente no hospital ou na reabilitação durante meses. Ou pior: caso sobreviva, a pessoa pode viver com sequelas e com cuidados de longo prazo.

Pesquisas recentes atestaram que o EVT é eficaz principalmente para derrames graves, em vasos de dimensões grandes e que têm de ser tratados com rapidez, até 24 horas após o AVC. Casos bem-sucedidos, reduzem as sequelas em até 7%, três vezes inferior ao comum.

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A saber, o isquêmico corresponde a cerca de 85% de todos os acidentes vasculares cerebrais. Enquanto este impede o fluxo sanguíneo, interrompendo o transporte de oxigênio, o outro tipo de AVC, hemorrágico, libera o sangue quando e para onde não deveria. Nos dois casos, ocasiona a rápida morte das células cerebrais afetadas.

O AVC mata cerca de 6,5 milhões de pessoas por ano, em todo o mundo. É a segunda causa mais comum de morte global e está entre as cinco principais no Canadá e nos Estados Unidos. No Brasil, 87.518 pessoas morreram de acidente vascular cerebral, entre janeiro e outubro de 2022, segundo dados da Sociedade Brasileira de AVC, colocando a doença como uma das que mais mata no país. Além de óbitos, também é uma das principais razões de incapacidade, sendo os menores e menos graves ligados ao aparecimento de outras complicações como demência e doença de Alzheimer.

Com esses dados, o EVT é considerado uma das inovações médicas mais relevantes dos últimos dez anos, capaz de salvar milhões de vidas. Nos Estados Unidos, a técnica é liberada pela Food and Drug Administration (FDA) desde o começo dos anos 2000, e aplicada por neurologistas, que realizam cerca de 60 mil EVTs por ano. No Brasil, esse número cai para cerca de 350 por mês, realizado apenas em grandes hospitais particulares, de acordo com dados da Sociedade Brasileira de Radiologia Intervencionista e Cirurgia Endovascular (Sobrice).

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O maior desafio dos médicos no mundo, porém, é aplicar a técnica em tempo hábil. Como não se trata de uma nova pílula ou dispositivo, que pode ser fabricada em grande escala ou distribuída para todos os hospitais, é algo complicado. Segundo Mayank Goyal, médico neurorradiologista do Medical Center Foothills, no Canadá, a extração do coágulo não é difícil, o problema é levar o paciente à mesa de operação a tempo, seguindo uma série de etapas necessárias e muito complexas. “A chave para um EVT bem-sucedido é justamente conseguir levar o paciente às pressas para um tomógrafo, verificar se o coágulo é um alvo viável para extração e retirá-lo sem demora”, disse o especialista ao jornal americano “The New York Times”.

Eficácia Comprovada

Desde 2009, médicos americanos já tratam pacientes com AVC com trombectomias, já que as drogas anticoagulantes disponíveis, naquela época, não eram boas o suficiente para os coágulos grandes. “Precisávamos de uma solução mecânica e não química para o problema”, lembrou Goyal.

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Os primeiros dispositivos produzidos também não funcionaram, até surgir um novo aparelho, stent Solitaire, para obstruir o fluxo sanguíneo de um aneurisma. Ali, vários especialistas chegaram à mesma conclusão: um EVT pode funcionar para um AVC. “Foi como mágica”, afirmou o médico.”

Mesmo com tantos avanços na medicina, o fato é que para os pacientes com AVC, pouco mudou desde que o médico grego, Hipócrates, escreveu sobre a doença há 2.500 anos atrás, identificando a causa como um “excesso de bile negra no cérebro. A primeira ligação entre “apoplexia” e sangramento no cérebro, no entanto, foi feita apenas em 1658, pelo médico suíço Johann Jakob Wepfer, o primeiro a levantar a hipótese de que os efeitos de um derrame eram provocados ​​por sangramento no cérebro, e provavelmente, por um bloqueio de uma das principais artérias que levam sangue até ele.

Durante o século 20, foram surgindo as várias causas comuns de acidente vascular cerebral. Embora os derrames ocorram no cérebro, os médicos passaram a tentar compreendê-los pela mecânica das doenças cardíacas.  A pressão arterial alta e baixa, por exemplo, são fatores de risco para derrame, assim como um batimento cardíaco anormal. 

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O primeiro avanço real no tratamento do AVC, porém, veio com a chegada dos trombolíticos: drogas usadas para “quebrar coágulos” encontrados nos vasos sanguíneos. Em 1995, o New England Journal of Medicine publicou um ensaio liderado pelo Instituto Nacional de Distúrbios Neurológicos e Derrame (NINDS), que testou os efeitos do ativador do plasminogênio tecidual, ou tPA, em pacientes com AVC isquêmico. Os autores observaram que a droga vinha com um risco aumentado de hemorragias cerebrais, já que em alguns pacientes, a tentativa de dissolver o coágulo poderia resultar em sangramento. Ainda assim, descobriram que o resultado melhorou a longo prazo para um em cada três pacientes. Um avanço sem precedentes e o primeiro tratamento significativo para um derrame em curso.

Só que ainda não era o ideal. Era melhor do que nada, e se tornaria um tratamento padrão em todo o mundo para pacientes com AVC isquêmico, mas neurologistas já partiram para outras alternativas. Assim, a atenção deles se voltou para um conjunto de técnicas e procedimentos originárias da cardiologia: acessar o corpo usando cateteres inseridos nas artérias. Essas terapias passaram a ser conduzidas por um grupo híbrido de especialistas conhecidos como neurointervencionistas, que receberam treinamento adicional para realizar esse tipo de procedimento.

As versões específicas para trombectomia começaram a ser lançadas por volta de 2010. “De repente, tínhamos um procedimento que parecia funcionar”, disse Michael D. Hill, neurologista sênior em Foothills, hospital que ajudou a estabelecer o EVT. À medida que as patentes eram registradas e o procedimento formalizado, Goyal continuou a trabalhar com a equipe de AVC em Foothills para extrair os coágulos de pacientes elegíveis.

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Foi em Foothills, aliás, que a equipe médica decidiu também iniciar seu próprio ensaio clínico, conhecido como ESCAPE, com Hill, Goyal e Andrew Demchuk como os principais pesquisadores. Escolheram 22 locais e estabeleceram um protocolo rígido para o estudo, enfatizando a consistência na seleção de pacientes, imagens e – acima de tudo – velocidade para garantir um EVT bem-sucedido. Deu certo! Dos pacientes do grupo de controle, tratados com remédios anticoagulantes, 29% sobreviveram e conseguiram recuperar, pelo menos em parte, sua independência, enquanto 53% dos que receberam EVT tiveram os mesmos resultados positivos. Entre os que morreram, 19% eram de controle contra apenas 10% de EVT.

Velocidade é essencial

Além do ESCAPE, outros quatro ensaios clínicos mostraram que, em média, o EVT dobra as chances de pacientes com AVC voltarem a uma vida independente e quase triplica as possibilidades de uma total recuperação.

Mas é bom ressaltar que a velocidade é crucial no curso de um AVC. Cerca de 5 a 15 % dos pacientes com AVC podem ser submetidos a uma trombectomia endovascular, mas o que recebem são os casos mais graves.

Ainda assim, implementar o EVT em grande escala é um enorme desafio. Um relatório recente da Associação de AVC da Grã-Bretanha constatou que os pacientes com AVC isquêmico elegíveis em Londres tinham até oito vezes mais chances de receber um EVT do que em outras partes do país, disparidades que também ocorrem nos Estados Unidos. Outras partes do mundo também enfrentam diferentes desafios. Em uma pesquisa recente em 59 países, a Austrália, por exemplo, apresentou a maior taxa geral de acesso ao EVT, com 46% dos pacientes recebendo o tratamento. Uma realidade bem acima da taxa média de acesso para países de alta renda, que foi de 23%, enquanto para países de baixa e média renda, a taxa foi de apenas 0,48%. Globalmente, a partir de 2019, apenas 2,79% dos possíveis pacientes com EVT estavam recebendo o procedimento. Problemas potencializados por políticas públicas de saúde e a própria qualificação dos médicos, além da estrutura de hospitais para lidar com a rapidez com que deve ser feito o EVT.

A boa notícia é que a Organização Mundial da Saúde (OMS) já identifica a trombectomia como uma “intervenção clínica prioritária” e os instrumentos usados ​​para extrair os coágulos como “dispositivos médicos prioritários”, o que significa que passará a fornecer orientação e apoio a organizações nacionais de saúde que procuram implementar EVT. É fato, porém, o acesso ao EVT pode salvar mais de 100 mil vidas anualmente. E também todas as pequenas e belas coisas que compõem uma vida normal.

 

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