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‘Eu tenho uma mãe com Síndrome de Down’

A alteração genética normalmente causa infertilidade; Izabel, hoje com 66 anos, no entanto, conseguiu gerar e é uma mãe exemplar

Por Redação
Atualizado em 26 nov 2019, 12h05 - Publicado em 26 nov 2019, 11h47
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  • Você já deve ter visto uma pessoa adulta com Síndrome de Down, não é verdade? Mas você já viu um portador da doença passeando com o próprio filho? Provavelmente não. Isso porque pessoas com essa alteração genética têm maior propensão à infertilidade. Para as mulheres, a taxa é de pelo menos 50%. Já para os homens, sobe para 80%. O problema, no entanto, não afetou Izabel Rodrigues, que hoje tem 66 anos.

    Izabel só descobriu que tinha Down aos 35 anos, depois de passar décadas da sua vida sendo considerada “alguém que vivia no mundo da lua”. Durante toda a infância e adolescência, ela teve dificuldades motoras e de aprendizado – motivo pelo qual seus pais a tiraram da escola cedo. Hoje, ela lê e escreve muito pouco. No trabalho, ela já foi flagrada brincando com os amigos imaginários, o que fez com que fosse chamada de louca. 

    Aos 25 anos, Izabel começou a namorar José Ribeiro, seu primo de segundo grau que não tem a doença genética. Cerca de seis meses depois, ele pediu permissão para se casar com ela. Os irmão de Izabel foram contra a união porque “ela não era muito certa”, mas sua mãe permitiu. Logo no início do casamento, os dois decidiram que queriam filhos, mas eles nunca chegavam.

    Uma década depois, sem ainda ter conseguido gerar, parentes do casal levaram a mulher ao médico para descobrir o motivo. Na consulta, o médico descobriu a Síndrome de Down. Com o diagnóstico, Izabel foi avisada de que jamais poderia ter filhos porque “pessoas assim são inférteis”. Apesar do triste prognóstico, ela conseguiu engravidar alguns meses depois. “Foi uma grande felicidade descobrir que ela estava grávida”, disse José à BBC.

    A pequena Cristinna

    O anúncio da gravidez, trouxe desconfiança para os familiares, que não tinham certeza se Izabel conseguiria cuidar de um bebê. Por causa disso, logo após o nascimento de Cristinna, uma das irmãs dela veio ajudá-la com os cuidados da recém nascida.

    “Os meus tios não queriam deixar a minha mãe sozinha comigo e decidiram que alguém precisava acompanhá-la nos primeiros dias, depois que ela saísse do hospital. Essa minha tia, que já tinha filhos, ficou na minha casa durante o meu primeiro mês de vida. Depois ela foi embora, porque a minha mãe já tinha aprendido o que tinha que aprender”, contou Cristinna, hoje com 29 anos, à BBC.

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    Durante a maior parte do tempo, Izabel ficava sozinha com a filha – que não tem Síndrome de Down – e sempre cuidou muito bem da criança. “Sempre que eu me sujava, ela corria para me limpar. Mesmo que estivesse perto da lama, com as outras crianças sujas, eu sempre estava limpa”, disse.

    Até hoje, quase três décadas depois, os parentes de Izabel ainda se surpreendem com o fato de ela ter conseguido criar Cristinna, especialmente porque eles moraram durante muito tempo em uma região rural do pequeno município de Morrinhos, em Goiás, onde passaram por dificuldades financeiras ao longo da vida. Ainda assim, Cristinna foi muito bem cuidada pela mãe. “Ela era a minha bonequinha. Cuidei muito bem dela. Ela era um xodó para mim”, disse Izabel à BBC.

    Ela está muito orgulhosa da filha, que recentemente se formou em Administração. “Uma prima, muito mais velha que eu, comentou que ninguém acreditava que meus pais dariam conta de cuidar de mim, muito menos de me formar. Ninguém nunca acreditou que eles fossem capazes. Mas fiz questão de dar esse orgulho para eles”, contou Cristinna.

    Os netos

    Hoje, Izabel é avó de dois meninos saudáveis, um de 10 anos e outro de seis, e aguarda ansiosa a chegada do terceiro neto, que nascerá em breve. Cristinna contou que duvidou da capacidade da mãe de cuidar do neto. “Eu não deixei que ela desse banho no meu filho nos primeiros meses dele, porque fiquei pensando que ela não fosse capaz. Para que ela não ficasse magoada, também não deixei que a outra avó fizesse isso. Eu mesma dei os banhos nele”, revelou envergonhada.

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    “Eu fiquei pensando: a minha mãe conseguiu cuidar de mim e me deu banho sozinha. Por que não conseguiria fazer isso com meu filho? Então, quando tive meu segundo filho, o primeiro banho, fora do hospital, foi dado por ela. Foi uma forma de me redimir”, contou.

    Atualmente, quem cuida dos filhos de Cristinna é Izabel. “Ela é uma avó muito carinhosa”, comentou.

    Síndrome de Down

    A Síndrome de Down é uma alteração genética provocada pela presença de três cromossomos 21 nas células do indivíduo. A maior parte da população apresenta 46 cromossomos ao todo, já as pessoas com a síndrome têm 47. No Brasil, estima-se que 300.000 pessoas tenham essa alteração genética. Estudos indicam que 1 em cada 700.000 bebês nascidos vivos possuem essa característica genética em todo o mundo.

    Os portadores de Down frequentemente são tratados como crianças – mesmo durante a vida adulta – por causa da deficiência intelectual, traço comum a quem tem a trissomia do cromossomo 21. No entanto, especialistas recomendam que eles sejam tratados de acordo com a idade que têm não apenas para que possam lidar com a autoimagem e, consequentemente, o envelhecimento, como também para que tenham maior autonomia e independência.

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    “Hoje, a deficiência intelectual e as dificuldades de desenvolvimento das pessoas com síndrome de Down são condições acolhidas de forma melhor pela sociedade. Mas a gente percebe que muitas pessoas não querem que o indivíduo com síndrome de Down se desenvolva, porque têm a crença de que serão eternas crianças”, afirma Karyny Ferro, neuropsicóloga do Instituto Jô Clemente.

    Os especialistas ainda ressaltam que a expectativa de vida do portador de Down subiu de 35 anos, algumas décadas atrás, para 63, questão que mostra a importância de garantir que eles tenham maior autonomia para se desenvolver.

    Já o geneticista e pediatra Zan Mustacchi destacou a importância de falar sobre sexualidade com esse público afinal, eles podem ter vida sexual ativa e feliz. “O problema é que a sociedade não assumiu esse tipo de abertura. Dizem que por eles terem dificuldades intelectuais, não podem ter uma vida sexual. Isso faz com que esse indivíduo seja despreparado e, consequentemente, possa até sofrer abusos. A sexualidade deles é comum, como qualquer outra”, alertou.

    Da mesma forma, eles também pode gerar filhos – apesar das altas taxas de infertilidade. E são capazes de cuidar dessa criança, embora precisem de algum auxílio no processo. “Minha mãe sempre foi muito amorosa e cuidadosa. Muita gente me pergunta qual é a diferença em ter uma mãe com síndrome de Down, mas para mim isso nunca mudou nada”, concluiu Cristinna. 

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