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Empresas lucram vendendo falsas curas naturais na internet

Em meio à falta de fiscalização, protocolos são comercializados com a promessa de dar fim a doenças incuráveis, como diabetes e Alzheimer

Por Chloé Pinheiro, Sílvia Lisboa e Jaqueline Sordi*
Atualizado em 18 jul 2023, 16h40 - Publicado em 18 jul 2023, 14h00
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  • “Vire ex-diabético em questão de horas!”, “Derreta a gordura no fígado sem abrir mão da cervejinha e do churrasco”, “Comece a reverter a demência agora”.

    Esses são exemplos de promessas feitas à luz do dia por empresas que vendem supostas curas naturais para problemas crônicos de saúde. Um dos principais players desse mercado no país é a Jolivi Natural Health, uma “publicadora de conteúdo” que comercializa seus protocolos utilizando uma agressiva estratégia de marketing digital.

    Os materiais são elaborados por médicos e outros profissionais que, salvo exceções, não são especialistas nas áreas que prometem tratar. E o segredo para a “cura” consiste em uma mescla de terapias que carecem de comprovação científica, aliadas a outras que até podem, em determinados casos, ser benéficas e válidas, mas que não têm a capacidade de acabar com doenças.

    As assinaturas dos protocolos custam cerca de 1.000 reais cada. Ao fechar um pacote, a pessoa recebe vídeos, e-books e outros materiais de apoio.

    E começa a ser bombardeada por propagandas e cupons de desconto do site Vitaminas.com.vc. Dos mesmos donos da Jolivi, o site vende parte dos suplementos prescritos nos protocolos da empresa principal. Os suplementos, aliás, são parte importante das recomendações desses planos de cura.

    A Jolivi foi criada em 2015 por empreendedores do mercado financeiro. Depois, em 2018, eles compraram a divisão de vitaminas. E, em 2021, criaram o Infovital, site que publica conteúdos propagandeando as curas “alternativas”.

    As práticas dessas empresas vieram à tona após uma investigação, contemplando inclusive a análise dos protocolos por especialistas convidados, feita em parceria entre VEJA SAÚDE e a revista Questão de Ciência, projeto que integra a iniciativa “Disarming Disinformation”, do International Center for Journalists (ICFJ), e recebeu financiamento do Instituto Serrapilheira.

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    E elas são apenas dois exemplos de um vasto mercado que lucra com pseudociências e práticas ditas “alternativas” à saúde.

    A operação

    A Jolivi foi fundada pelos mesmos criadores da consultoria de investimentos Empiricus e teve, como sócia, a Agora Inc., autointitulada a maior publicadora de conteúdos de finanças e saúde natural dos Estados Unidos.

    Fundador da Agora, Bill Bonner criou em 1978 um império de publicações aplicando a técnica do copywriting, um estilo de escrita persuasiva que é muito usado até hoje em vendas. Com o sucesso americano, expandiu o negócio por mais de dez países. No Brasil, Bonner encontrou nos sócios da Empiricus uma parceria promissora para repetir a estratégia.

    A Agora também foi pioneira em identificar que o público à direita e conservador estava mais propenso a esse discurso “alternativo”. Nos EUA, a holding é conhecida por enviar suas sugestões de investimento e endosso a tratamento duvidosos usando o mailing de políticos de extrema direita e invocar a liberdade individual para escapar de processos.

    Em uma entrevista, questionado sobre uma das newsletters que anunciava a “cura secreta do câncer escondida no Evangelho de Matheus”, Bonner disse: “Nossos clientes não nos pagam para estarmos certos. E certamente não somos pagos para sermos tímidos. Em vez disso, esperam que sejamos diligentes e honestos e que exploremos as nuances não convencionais, muitas vezes infames e sempre ousadas do espectro de ideias. Nossos clientes têm a última palavra. Se não gostarem do que oferecemos, eles não compram”.

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    Nem sempre cola. Em 2021, diversas subsidiárias da holding foram processadas por fake news em saúde e concordaram em pagar US$ 2 milhões em multas a autoridades americanas.

    No Brasil, a Empiricus também foi multada pelos órgãos de controle do mercado financeiro e mudou o discurso há dois anos, quando foi comprada pelo BTG, o maior banco de investimentos da América Latina. A Jolivi ficou de fora do negócio e segue usando a justificativa de que não recomenda tratamentos, apenas publica conteúdo de saúde.

    A empresa segue aplicando à risca a cartilha de Bonner. Seja incitando o medo, como na newsletter em que diz haver uma epidemia de demência súbita que se instala em minutos, seja oferecendo a cura milagrosa – no caso da demência, com a planta Melissa officinalis.

    Segundo informações do grupo, a companhia reúne 46 sócios e colaboradores, mais de 75 mil assinantes, 12 programas de saúde ativos e três assinaturas mensais, referendadas por ditos especialistas.

    Protocolos de cura

    A exemplo de outras empresas e terapeutas que se divulgam pela internet, a Jolivi vende protocolos para diversas doenças. Chamam a atenção promessas para “desinchar” e “rejuvenescer” a próstata, “devolver a virilidade” ao homem, fazer a pessoa deixar de usar óculos com vitaminas e “resolver 100% das dores crônicas com 10 minutos ao dia”.

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    A pedido da reportagem, uma equipe de especialistas analisou dois protocolos, “Supercérebro sem Alzheimer”, escrito pelo obstetra e doutor em biomedicina Nelson Annunciato, e “Protocolo contra o Diabetes”, assinado pelo cirurgião Naif Thadeu.

    No primeiro, o médico afirma que vai ensinar uma técnica que reverte o Alzheimer em 9 a cada 10 pacientes. O enunciado é importado do médico americano Dale Bredesen, autor de livros em que diz ter curado o Alzheimer com um protocolo à base de reposições hormonais, ajustes no estilo de vida e alimentação.

    Só que seus feitos não estão comprovados pela ciência. O periódico médico Lancet Neurology chegou a publicar um artigo de uma neurologista assinalando problemas e falcatruas nos estudos conduzidos por Bredesen.

    Na versão brasileira, a toada é parecida. Com o cardápio certo e mais de 20 suplementos alimentares a serem tomados diariamente, seria possível curar o Alzheimer, algo sem qualquer embasamento científico.

    “No momento, não existe nada que reverta a doença. Qualquer material que afirme o contrário não é ético nem verdadeiro. O máximo que certas abordagens, farmacológicas ou não, conseguem fazer é retardar a evolução inevitável da doença”, diz a neurologista Sonia Brucki, coordenadora do Grupo de Neurologia Cognitiva e do Comportamento do Hospital das Clínicas da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo (USP).

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    Não é que um estilo de vida saudável não tenha seu valor. Na verdade, ele é recomendado para prevenir e ajudar a amenizar sintomas do Alzheimer e outras demências. O problema é prometer a cura num cenário que é, infelizmente, ainda irreversível.

    Solução para o diabetes

    No caso do diabetes, o material é ainda mais perigoso. O cirurgião plástico Naif Thadeu promete reverter a doença, inclusive o tipo 1, em semanas. Para isso, o paciente deve seguir alguns preceitos semelhantes aos que “curam” o Alzheimer: fazer dieta cetogênica e jejum intermitente, tomar cápsulas de ômega-3 e dezenas de outras fórmulas.

    Só que, nessas circunstâncias, estamos falando de uma doença crônica que, sem o tratamento adequado, evolui para quadros potencialmente fatais. No material, os medicamentos tradicionais são criticados. Afirma-se, sem qualquer grau de evidência, que a metformina, comprimido largamente receitado para controlar a glicemia, “transforma o pré-diabético em diabético”.

    No lugar desses produtos, prescrevem-se suplementos fitoterápicos, que podem, inclusive, descontrolar o diabetes, como o melão-de-são-caetano. Thadeu sugere ainda que é possível manter a glicemia sob controle no diabetes tipo 1, uma doença autoimune geralmente detectada na infância ou adolescência, sem tomar insulina. “No entanto, para esses pacientes, a falta de insulina pode causar a morte em poucos dias”, desmistifica o endocrinologista Carlos Eduardo Barra Couri, pesquisador da USP de Ribeirão Preto.

    Alcance gigante

    Não são poucas as pessoas impactadas por promessas como as da Jolivi. Com a ajuda de técnicas de raspagem de dados, a reportagem fez uma análise sobre o alcance desses materiais. São 1,5 milhão de seguidores nas diferentes redes sociais das três empresas – Jolivi, Vitaminas.com.vc e Infovital.

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    Nos vídeos do YouTube, mais de 52 milhões de visualizações. Os problemas de saúde mais mencionados no canal são dores (em 499 vídeos), câncer (415), diabetes (411) e Alzheimer (289).

    O CEO da empresa afirma, por meio de sua assessoria de imprensa, que os assinantes “recebem conteúdos baseados em publicações técnicas de saúde das mais renomadas instituições do mundo”. Só que, dos artigos enviados como exemplos do que seria a base científica dos protocolos, apenas um é um estudo clínico randomizado (que se baseia na comparação entre duas ou mais terapias, com seleção rigorosa de participantes e distribuição aleatória entre os grupos) e nenhum suporta as afirmações dos textos.

    Fazer propaganda de suplementos alimentares alegando benefícios terapêuticos é proibido pela Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa). A entidade explica que realiza a fiscalização dessa regra por meio de denúncias e vigilância ativa. Também afirmou que existem dois processos em andamento contra a Millipharma (a razão social da Vitaminas.com.vc), que correm em sigilo.

    A Anvisa, porém, monitora apenas a propaganda de produtos. A divulgação de conteúdos relacionados a tratamentos, sem vinculação direta à propaganda, como é o caso da Jolivi, não é competência da agência. O Conselho Federal de Medicina foi procurado para comentar a atuação dos profissionais envolvidos na Jolivi, mas não se pronunciou. Os médicos responsáveis pelos protocolos tampouco responderam aos pedidos de esclarecimento da reportagem.

    * Esta reportagem é uma parceria da revista Questão de Ciência com a VEJA SAÚDE e foi produzida com o apoio do programa “Disarming Disinformation”, do International Center for Journalists (ICFJ), e financiada pelo Instituto Serrapilheira. O programa é um esforço global de três anos com financiamento principal do Scripps Howard Fund

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