A agência reguladora americana Food and Drug Administration (FDA) aprovou o segundo tratamento para a doença de Alzheimer, o lecanemabe, destinado a retardar o declínio cognitivo. A decisão é um avanço num campo de pouco progresso, mas a empolgação é ofuscada pelas mortes de pacientes e relatórios de que o FDA agiu de maneira inadequada ao aprovar o primeiro medicamento desse tipo no ano passado.
A droga, fabricada pelas empresas farmacêuticas Eisai, no Japão, e Biogen, dos Estados Unidos, se tornou marcante por ser o primeiro tratamento de Alzheimer a retardar o declínio cognitivo em um ensaio clínico robusto e o segundo a ser aprovado em menos de dois anos. Trata-se de um anticorpo monoclonal. Administrado por via intravenosa, ele impede o depósito sobre os neurônios das placas amilóides, que se acredita terem grande papel na doença, que afeta cerca de 55 milhões de pessoas no mundo – e que pode chegar a 74,7 milhões em 2030 – , de acordo com a Alzheimer’s Disease International.
Aprovação acelerada
Outro aspecto marcante, contudo, são as polêmicas ao seu redor. O lecanemabe foi autorizado pela via de ‘aprovação acelerada’ da FDA, reservada para terapias para doenças com poucos tratamentos. Esse foi o mesmo caminho usado para aprovar seu antecessor, o aducanumabe, um anticorpo semelhante também produzido pela Biogen e pela Eisai, em junho de 2021. Na época, muitos especialistas consideravam que o aducanumabe, cujo nome comercial é Aduhelm, não mostrou um forte sinal de declínio cognitivo. O próprio painel consultivo científico da FDA foi contra a aprovação do anticorpo em uma votação de 8 a 1 e três membros do painel renunciaram depois que a agência o autorizou. Já na deliberação para o lecanemabe, a FDA não realizou uma reunião consultiva pública.
A aprovação acelerada também não requer dados de ensaios clínicos de fase III – apesar de terem sido realizados, neste caso. Esse estudo, conduzido em cerca de 1,8 mil pessoas com Alzheimer em estágio inicial, descobriu que o anticorpo retardou o declínio cognitivo em 27% em 18 meses de tratamento.
Porém, a autorização da FDA não leva em consideração a fase III uma vez que as empresas pediram aprovação acelerada com base nos dados da fase II, enviados antes do anúncio dos últimos resultados. O estudo de fase II descobriu que o lecanemabe diminuiu as placas no cérebro de 856 pacientes, mas não avaliou se isso afetou as habilidades cognitivas dos participantes.
Não está claro qual impacto esse efeito de 27% terá na vida das pessoas com Alzheimer ou se persistirá após 18 meses, o que exigirá pesquisas futuras. Enquanto isso, diz a FDA, o lecanemabe deve ser usado apenas para pessoas com comprometimento cognitivo leve – o mesmo grupo voluntário dos ensaios clínicos.
Mortes
Nos últimos meses, as publicações Science e STAT News relataram que três pessoas inscritas na terceira fase do lecanemabe teriam morrido de complicações envolvendo hemorragia cerebral e convulsões ocorridas durante a fase estendida do estudo (quando os pacientes que receberam placebo podem pedir para receber o medicamento). De acordo com esses relatórios, os pesquisadores suspeitam isso teria acontecido devido a um conjunto de condições conhecidas como anormalidades de imagem relacionadas à amiloide (ARIA), caracterizada pelo enfraquecimento dos vasos sanguíneos no cérebro causado pelo remédio ao atacar as placas amilóides que os revestem. Todos os pacientes faziam uso de anticoagulantes na época, o que pode ter agravado o sangramento.
A Eisai disse que não é apropriado tirar conclusões com base em casos individuais e que relatou as mortes ao FDA conforme exigido. No entanto, a aprovação do FDA exige que o lecanemabe inclua um aviso sobre ARIA e que os médicos monitorem a condição, raramente grave.
A fabricante Eisai informou que um ano de lecanemabe custará 26,5 mil dólares nos Estados Unidos (cerca de 138 mil reais).
Irregularidades
Uma investigação do congresso americano divulgada no mês passado descobriu que a agência havia desrespeitado suas próprias regras ao orientar indevidamente a Biogen no processo de aprovação do aducanumabe. O relatório disse que o processo estava “cheio de irregularidades” e levantou “sérias preocupações sobre os lapsos do protocolo da FDA e a desconsideração da eficácia da Biogen”, mas não impõe nenhuma penalidade à FDA ou às empresas.
O Centro de Serviços Medicare e Medicaid (CMS) dos EUA se recusou a cobrir o aducanumabe sob planos de seguro federais, a menos que uma pessoa esteja inscrita em um ensaio clínico, deixando a maioria dos pacientes pagando mais de 28 mil dólares por um ano de tratamento. A CMS – e várias clínicas que se recusaram a prescrever o medicamento – citaram sua eficácia questionável, atraindo a ira de grupos de defesa que dizem que ele deveria estar prontamente disponível.