A hidrocefalia de pressão normal (HPN), doença que provoca acúmulo de líquido no cérebro, apresenta sintomas comuns a doenças da velhice, como Alzheimer e Parkinson. Por causa disso, o diagnostico preciso pode ser dificultado. Esse foi o caso de Albano Giannini, de 78 anos, e Paulo Pires de Oliveira Camargo, de 79 anos. Os dois começaram a ter dificuldades de locomoção e, no caso de Camargo, também houve outros sintomas semelhantes aos do Alzheimer.
A HPN – também chamada de hidrocefalia do idoso – atinge pacientes acima de 65 anos. No Brasil, estima-se que 120.000 pessoas sofram com a doença. No entanto, ela ainda é pouco conhecida entre a população e até de alguns médicos, o que retarda o tratamento cirúrgico que pode reverter a doença.
HPN, Parkinson e Alzheimer
Albano Giannini, juiz aposentado, levava uma vida normal e ativa até que, no início de 2017, começar a sentir dificuldades para andar. “Eu tentava levantar e caía. Meu filho tinha até de me dar banho. A cada dia que passava, eu só piorava. Ia a médicos e nenhum me dava um diagnóstico. Para mim, eu estava morto”, conta. Sem encontrar respostas, a família passou a desconfiar do início de um quadro de Parkinson.
No caso do aposentado Paulo Pires de Oliveira Camargo, a dificuldade de locomoção veio acompanhada de incontinência urinária, perda de memória e confusão mental. Ele foi a cerca de 15 médicos e, entre os diagnósticos levantados, estava o temido Alzheimer.
As duas doenças são neurodegenerativas e incuráveis, limitando o tratamento a medicações capazes de minimizar os sintomas e retardar a progressão. Como os diagnósticos não eram precisos, os dois aposentados foram incentivados pelas famílias a procurarem um neurocirurgião, que apresentou um novo diagnóstico: hidrocefalia de pressão normal.
Confusão no diagnóstico
Segundo especialistas, é muito comum haver problemas no diagnóstico da HPN e, por causa disso, muitos pacientes levam anos para descobrir que a doença pode ser superada. “No Hospital das Clínicas, por exemplo, os pacientes chegam até a gente com um tempo médio de sintomas de dois a três anos”, relata Fernando Gomes Pinto, chefe do grupo de hidrodinâmica cerebral do Instituto de Psiquiatria do Hospital das Clínicas e professor da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo (USP).
Ele ainda explica que a confusão no diagnóstico se dá porque alguns dos sintomas da HPN são comuns a muitas doenças do idoso. Além disso, não é comum que o neurocirurgião ou neurologista, especialistas mais indicados para o caso, sejam os primeiros a serem consultados. Camargo, por exemplo, demorou dois anos até descobrir a doença. Chegou a ficar em uma cadeira de rodas. “Eu já estava desacreditado de tudo”, relembra.
Eduardo Vellutini, neurocirurgião do Hospital Alemão Oswaldo Cruz e da clínica DFVNeuro, também atende pacientes que, antes de saber da HPN, receberam outros diagnósticos. “Não é uma doença tão rara, mas, na fase inicial, alguns médicos confundem, seja porque observam uma marcha [caminhar] típica do parkinsoniano, como se os pés estivessem grudados no chão, seja porque há um quadro de demência parecido com o do Alzheimer”, destaca. Outras doenças que podem confundir são depressão, acidente vascular cerebral (AVC) e neuropatia diabética, caracterizada por lesões nos nervos provocadas pela glicemia elevada (diabetes).
Os especialistas ressaltam que ao contrário do Parkinson, a HPN não provoca tremores. Outra diferença é que o paciente com Alzheimer não tem consciência da sua confusão mental, mas o de HPN, sim.
Possibilidade de reversão
Apesar de os pacientes exibirem sintomas parecidos com os do Parkinson e Alzheimer, a HPN pode ser revertida com a implantação de uma válvula no cérebro, que drena o líquido em excesso e faz o paciente recuperar todas as funcionalidades, muitas vezes logo após a cirurgia. Dados da literatura científica mostram que 75% dos pacientes submetidos à operação têm melhora significativa em até um ano.
“Dois dias depois que operei, já tive alta e saí do hospital andando bem. Não acreditei quando me levantei da cama e estava caminhando. Parecia um milagre. Hoje eu levanto de manhã, faço café, desço para fazer academia, ando a Avenida Paulista toda, vou aos bancos, tenho uma vida normal”, conta Giannini, que teve a válvula implantada há cerca de quatro meses.
Para aprimorar o tratamento do HPN, cientistas brasileiros estão desenvolvendo uma válvula nacional mais moderna que pode diminuir os custos cirúrgicos e facilitar o acesso aos pacientes do Sistema Único de Saúde (SUS). Atualmente, com o produto importado, o custo é de 10.000 reais, que não são cobertos pela rede pública. Os pesquisadores acreditam que, com os sucessos dos resultados obtidos até agora, é possível que a válvula esteja disponível no mercado brasileiro ainda em 2018.
(Com Estadão Conteúdo)