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Com 1,05 kg, nasce bebê de gestante que tinha morte cerebral

Mãe, que era mantida com aparelhos em UTI desde janeiro, quando sofreu um AVC, foi velada no mesmo dia do parto; menino Yago terá de ficar em incubadora

Por Eduardo Gonçalves Materia seguir SEGUIR Materia seguir SEGUINDO Atualizado em 3 abr 2017, 22h16 - Publicado em 3 abr 2017, 15h29

Nasceu às 10h50 da última sexta-feira com 1,05 quilo e 34 centímetros, o bebê Yago Souza Sodré de Noronha. Ele ficou durante 27 semanas (cerca de seis meses) dentro do útero da mãe, Renata Souza Sodré, 22 anos, considerada morta desde o fim de janeiro. O nascimento pegou de surpresa a família e os médicos, que haviam planejado fazer a cesárea nesta terça-feira, quando ele completaria 28 semanas. Na madrugada de sexta, no entanto, o quadro de Renata piorou e os médicos precisaram agir rápido para tirar Yago do corpo da mãe, cujas funções vitais eram mantidas por aparelhos e medicamentos.

Apesar de prematuro, Yago nasceu saudável e chorou — um bom sinal de que ele conseguia respirar normalmente. Como os pulmões ainda não estavam plenamente formados, ele precisou ser entubado e tomar medicamento para dilatar os brônquios, mas depois o respirador não foi mais necessário. O maior problema — que ainda gera preocupação entre os médicos — é o quadro de infecções que ele herdou do organismo mãe. Por isso, ele está sendo mantido em uma incubadora no Centro de Terapia Intensiva (CTI) do Hospital Santa Casa de Campo Grande, onde é monitorado 24 horas por dia.

No mesmo dia em que Yago nasceu, a família pôde, finalmente, velar o corpo de Renata no Cemitério Parque de Campo Grande. Os parentes haviam autorizado a doação de seus órgãos, mas o procedimento não foi realizado porque eles estavam muito comprometidos para serem reutilizados.

“A força, que tinha acabado, ressurgiu agora que ele veio”, resumiu o pai de Yago e marido de Renata, o entregador de mercadorias Eduardo de Noronha, de 25 anos, que oscilou ao longo desses dois meses entre momentos de alegria e tristeza ao testemunhar uma vida que se vai e a outra que chega. Ele havia visitado Renata todos os dias de manhã na última semana. Bem na sexta-feira, seu carro teve problemas e ele perdeu o parto feito às pressas.

Nesta segunda-feira, ele retomou a rotina de ir diariamente ao hospital — desta vez, para acompanhar o crescimento do filho.

Quando a morte não é o fim

Renata sonhava ter um filho. Já havia escolhido o nome (Yago, se fosse menino; Helena, se fosse menina), preparado o enxoval e a casa. Em 27 de janeiro, quando estava no quarto mês de gravidez, voltou mais cedo do serviço (trabalhava como faxineira em uma empresa) com fortes dores de cabeça. Enquanto tomava banho, perdeu a consciência e nunca mais acordou. Do posto de saúde para onde foi levada pela família, Renata foi encaminhada à Santa Casa de Campo Grande (MS). O diagnóstico viria horas depois — ela havia sofrido um AVC hemorrágico e dificilmente se recuperaria. Três dias mais tarde, os médicos decretaram sua morte cerebral. A partir desse ponto começou outra e dramática história.

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Eduardo de Noronha
Eduardo de Noronha mostra foto com Renata, que, com morte cerebral, deu à luz Yago (Alexis Prappas/VEJA)

O marido, Eduardo, desesperou-se. Achou que havia perdido de uma só vez a mulher e o filho. Os médicos, então, vieram com a surpresa: o feto estava vivo. Tratava-se de uma gestação arriscada, mas cabia aos familiares decidir se queriam que ela fosse adiante. Eles tinham uma tarde para pensar. Noronha respondeu que não era preciso esperar. “Na mesma hora, decidimos. Queríamos ter aquela criança, mesmo que só houvesse 1% de chance de ela nascer.”

A tarefa mobilizou todo o hospital. Para manter os órgãos de Renata em funcionamento sem o comando do cérebro, foram necessários medicamentos e aparelhos, como um respirador, bombas de infusão e sondas que lançavam nutrientes diretamente em seu estômago. Os remédios regulavam a pressão, a temperatura e a estabilidade hormonal do corpo. Uma equipe multidisciplinar — formada por intensivista, ginecologista, cirurgião, endocrinologista, nutricionista e fisioterapeuta, entre outros profissionais — foi encarregada de acompanhar a paciente, que passou a ser monitorada 24 horas por dia numa área de isolamento da UTI.

Em situações assim, a maior preocupação dos médicos é sempre o risco de infecções. O corpo de um paciente com morte cerebral libera toxinas que podem pôr em risco a saúde do bebê ou induzi-lo a um nascimento prematuro (se ele perceber alguma ameaça à sua sobrevivência, naturalmente buscará sair daquele organismo). O parto antes da 28ª semana era o que os médicos tentavam evitar, mas acabou acontecendo.

Desde a tragédia, Noronha foi todos os dias ao hospital — quase sempre nos três períodos em que está autorizado a entrar: pela manhã, à tarde e à noite. Ele tirou licença do trabalho como entregador de bebidas. Para evitar o risco de infecções, vestia capote, máscara, luvas e botas ao chegar ao quarto. Lá dentro, procurava conversar com Renata e o bebê — que se mexia sem parar, segundo ele. Os enfermeiros eram orientados a nunca deixar o ambiente sem música — um rádio tocava ininterruptamente canções religiosas e de ninar. Noronha não queria que o filho passasse a gestação ouvindo o som dos bipes dos aparelhos.

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Casos como o de Renata são raríssimos. “Temos muito pouca informação na literatura médica. Nem todo mundo reporta situações desse tipo. E só são publicadas quando dão certo. A probabilidade de dar errado — ou seja, de o bebê perecer durante a tentativa de gestação — é muito maior do que a de dar certo”, diz José Guilherme Cecatti, professor de obstetrícia da Universidade Estadual de Campinas (Unicamp). Segundo ele, esse tipo de gravidez só tem chance de prosseguir se a mãe já passou do segundo mês de gestação — antes disso, inevitavelmente ocorreria um aborto.

Eduardo de Noronha chega à Santa Casa de Campo Grande (MS), aonde ia todos os dias (Alexis Prappas/VEJA)

Apesar da escassez de estatísticas, no último ano houve ao menos duas ocorrências semelhantes bem-sucedidas no país — uma no Paraná, onde nasceram gêmeos, e outra no interior do Espírito Santo. Foi nesse último Estado que, há cerca de oito meses, o lavrador Dieyzo da Silva Camilo, de 18 anos, perdeu a namorada, Rosiele Onofre Pires, 17 anos, vítima de um aneurisma, e ganhou Emanuelly, com 1,110 quilo. Como muitas crianças prematuras, Emanuelly apresentava uma deficiência no sistema respiratório, ainda não completamente formado. Teve de passar 49 dias na UTI respirando por aparelhos, mas agora está em casa saudável.

 

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