As inflamações cardíacas que podem culminar na falência do órgão são causadas, em sua maioria, por reações naturais do próprio organismo. Até aí, nenhuma novidade. O que os cientistas do German Cancer Research Center, na Alemanha, e da Universidade de Harvard, acabam de descobrir, no entanto, é como isso acontece. Segundo eles, o problema está na má-formação das células do sistema imunológico. Não programadas para reconhecer uma proteína específica do músculo cardíaco, elas acabam por atacá-lo, causando a inflamação e o inchaço do órgão, o que pode levar o paciente ao transplante cardíaco.
Durante as fases de pesquisa, os cientistas analisaram as condições físicas em que camundongos sofreram as miocardites. Foi descoberto, então, que a α-MyHC, um dos subtipos de proteína presente apenas no músculo cardíaco, é o alvo de uma auto-agressão das células do sistema imunológico. “Isso é o resultado de uma falha no treinamento de tolerância”, diz Bruno Kyewski, um dos membros da equipe de cientistas.
O que acontece é simples. Em condições normais, as células T do sistema imunológico são ‘treinadas’ para defender o organismo assim que são produzidas pelo timo (órgão linfático). É nessa fase que elas são apresentadas ao vasto leque de moléculas presentes no organismo humano que, espera-se, sejam reconhecidas como benéficas durante o patrulhamento do sistema imunológico. “Mas descobrimos que, nesses casos, não existiam α-MyHC no timo do camundongos. Assim, as células T não conseguiram identificá-las como células amigas e acabaram por atacá-las”, diz Kyewski.
Para provar a tese, os cientistas modificaram o material genético dos camundongos de maneira que o timo desses animais passassem a produzir a proteína α-MyHC. Com a alteração, os camundongos passaram a não desenvolver mais a miocardite. A hipótese é válida também para humanos. Segundo os pesquisadores, o timo no homem não produz a α-MyHC. Há, no entanto, células T circulando pelo organismo com grande potencial para atacar o coração. “Normalmente, isso não traria problema algum. Mas se o músculo cardíaco se danificar por uma infecção viral ou por um infarto, uma grande quantidade de α-MyHC será eliminada pelo tecido que foi danificado. Isso vai resultar em um desequilíbrio na tolerância estabelecida pelo organismo”, diz Kyewski.