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Censo 2022: População ‘invisível’ se mantém como desafio para acesso à saúde

Apenas 19,7% dos municípios alcançaram registro total de nascimentos, deixando crianças sem vacinação e outros cuidados essenciais

Por Ligia Moraes Materia seguir SEGUIR Materia seguir SEGUINDO 8 ago 2024, 13h15

Os registros de nascimentos no Brasil aumentaram desde o último Censo de 2010, conforme revelam os dados sobre o tema divulgados pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) nesta quinta-feira, 8. No entanto, uma parcela significativa da população ainda permanece invisível, o que impede o acesso a serviços essenciais oferecidos pelo Estado, como políticas públicas de saúde.

Segundo o IBGE, houve um crescimento notável no percentual de registros de nascimentos em todas as raças e cores. Um destaque importante foi observado entre os indígenas, cujo percentual de registros passou de 67,3% em 2010 para 89,2% em 2022. Este crescimento de 21,9 pontos percentuais é um indicativo positivo dos esforços para incluir populações historicamente marginalizadas no sistema oficial de registros.

Em termos gerais, o Brasil registrou avanços na cobertura de registros civis, o que facilita o acesso a direitos básicos e serviços essenciais. Em 2022, 94,1% das crianças até cinco anos de idade foram registradas, crescimento significativo em relação aos 89,7% registrados em 2010. No entanto, a meta de universalização ainda não foi atingida, de modo que áreas rurais e comunidades vulneráveis continuam apresentando desafios maiores.

Invisibilidade e suas consequências

Apesar do progresso, ainda há uma quantidade preocupante de indivíduos que permanecem fora das estatísticas, ou seja, não possuem registro civil. Em 2022, apenas 19,7% dos municípios brasileiros conseguiram registrar 100% das crianças até cinco anos de idade. Esse cenário evidencia que muitos ainda não têm acesso garantido a serviços públicos essenciais, o que pode impactar negativamente a saúde e o desenvolvimento dessas crianças.

A falta de registro civil não é apenas uma questão burocrática: trata-se de um problema que afeta diretamente a vida das pessoas. Sem registro, muitas crianças não têm acesso à vacinação, atendimento médico adequado e programas sociais que poderiam melhorar significativamente sua qualidade de vida.

Por exemplo, uma criança não registrada certamente não passou pela triagem neonatal, conhecida como Teste do Pezinho. “O registro de nascimento é fundamental, porque vincula a criança a todos os programas assistenciais do governo, programas de transferência de renda e serviços de saúde pública”, afirma Jefferson Mariano, analista socioeconômico do IBGE. 

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Além disso, a invisibilidade dificulta a implementação de políticas públicas eficazes, pois o planejamento e a execução dessas ações dependem de dados precisos sobre a população. 

Outros dados relevantes

Além das questões de saúde, os dados do Censo 2022 trazem informações importantes sobre aspectos socioeconômicos e demográficos. Entre eles:

  • Educação: O nível de escolaridade das mães está diretamente relacionado aos registros de nascimentos. Mães com maior escolaridade tendem a registrar seus filhos com mais frequência. Por exemplo, 98,5% das crianças cujas mães têm ensino superior foram registradas, em comparação com 89,2% das crianças cujas mães não completaram o ensino fundamental
  • Renda familiar: famílias com maior renda também apresentam taxas mais altas de registros civis. Em domicílios com renda per capita acima de três salários mínimos, 98,7% das crianças foram registradas, enquanto em domicílios com renda per capita inferior a 1/2 salário mínimo, a taxa foi de 87,4%
  • Localização geográfica: regiões urbanas têm taxas de registro de nascimentos mais altas em comparação com as áreas rurais. Em 2022, 96,3% das crianças nas áreas urbanas foram registradas, em contraste com 86,5% nas áreas rurais. O Sudeste foi a região com maior percentual de pessoas registradas (99,6%), enquanto o Norte foi a menor com 97,3%
  • População indígena e quilombola: Embora tenha havido progresso, essas populações ainda enfrentam desafios significativos para alcançar a universalização dos registros civis. Entre os quilombolas, o percentual de crianças registradas aumentou de 63,5% em 2010 para 83,4% em 2022

Majoritariamente, as dificuldades estão região Norte do país, em locais mais afastados que têm desafios mais expressivos em relação à infraestrutura, como deslocamento. “Existem muitos municípios em Roraima e no Amazonas com menos de 90% das pessoas registradas” , afirma Jefferson. “A questão da logística e do deslocamento acaba, sem dúvida alguma, afetando a possibilidade desses moradores de se deslocarem até um cartório ou até uma Unidade Básica de Saúde (UBS)”, conclui. 

O especialista explica que os locais mais afastados do país, com limitações de infraestrutura logística, também têm problemas de formalização.  “Os habitantes dessas regiões às vezes não registram o filho porque já vivem sem cobertura de saúde, sem atendimento médico e não têm vínculo formal de trabalho. Então, para eles, é indiferente registrar ou não a criança”, conclui.

Caminhos para a inclusão

Para enfrentar esse desafio, é crucial a implementação de políticas que facilitem o registro civil de todos os nascimentos. Iniciativas como campanhas de conscientização, a criação de pontos de registro em áreas remotas e a simplificação dos processos burocráticos são medidas que podem contribuir para garantir que todas as crianças sejam registradas ao nascer, assegurando seus direitos desde o início da vida.

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Mariano reforça algumas dessas intervenções para garantir a universalização de registros de nascimentos no Brasil, especialmente nas regiões mais afastadas. Além de investimento na tecnologia de informação e conscientização para as comunidades, o analista reitera a questão da locomoção.

“O Brasil é um país com uma quantidade muito grande de municípios, especialmente os mais distantes, em que não há nenhum tipo de transporte público, seja fluvial  ou rodoviário, mesmo sendo um dever do Estado fornecê-lo.”

A questão da infraestrutura logística deve ser o primeiro passo para fazer com que essas pessoas tenham a possibilidade de acessar os serviços estatais e tenham uma existência administrativa, assim, exercendo sua cidadania”, completa. 

Embora o Brasil tenha feito progressos significativos no aumento dos registros de nascimentos, ainda há muito a ser feito para garantir que ninguém fique invisível. A inclusão de todos no sistema de registros civis é essencial para que políticas públicas de saúde e outros serviços essenciais possam alcançar efetivamente toda a população, promovendo um futuro mais justo e saudável para todos os brasileiros.

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