Como todos sabemos, infelizmente, o Brasil vive o momento mais delicado da pandemia do novo coronavírus, a ponto de ter chegado a mais de 4 000 mortes diárias, e a uma média móvel, na comparação com os sete dias anteriores, de 2 700 vítimas. Já são mais de 340 000 mortos no país e não há certezas, ainda, sobre o poder de contágio das novas variantes do vírus. Diante de um quadro tão nebuloso, foi desastrosa a liberação de cultos religiosos presenciais, como determinou o ministro do STF Kassio Nunes Marques na semana passada. O fechamento de templos e igrejas não é, obviamente, um cerceamento à fé das pessoas, direito inalienável — trata-se, ao contrário, de ter fé na razão e respeito à vida. A assinatura de Nunes Marques, que depois seria analisada no plenário da Corte (afinal de contas, de acordo com o próprio STF, a decisão cabe a governadores e prefeitos), provocou um ruído desnecessário. Atendeu a um pedaço do país, sobretudo o evangélico, de imenso poderio eleitoral, mas prejudica a todos os brasileiros. Se não é possível ir a restaurantes, ao cinema, ao shopping, se nem mesmo escolas estavam recebendo alunos, por que então permitir eventos religiosos? Qual a lógica disso? Estudos detalhados demonstram que, em alguns casos, como ocorreu na Coreia do Sul, foram as missas que provocaram a aceleração do contágio no país (veja reportagem na pág. 28). Em suma, definitivamente não é hora de politizar uma questão que precisa ser resolvida com racionalidade e ações eficientes de combate à propagação do vírus.
O Brasil vencerá o drama atual, sim, mudará de patamar — mas é preciso respeito às normas sanitárias, sobejamente comprovadas pela epidemiologia, e a manutenção de um zelo especialíssimo pela vacinação. São movimentos simultâneos, indissociáveis, ao menos por ora. A imunização, aliás, tem caminhado bem (embora pudesse ser mais rápida, não fosse a largada negacionista do governo federal). Como mostra outra reportagem desta edição, na página 32, os resultados transmitem esperança. Em quase todo o Brasil, a porcentagem de pessoas com mais de 80 anos, já imunizadas, entre os mortos por Covid-19 tem diminuído velozmente. Em São Paulo, por exemplo, foi de 31% no consolidado até 28 de fevereiro para 23% nas estatísticas a partir de março. No Rio de Janeiro, de 31% para 27%. Esses dados alvissareiros mostram que as vacinas funcionam de fato e, graças a isso, o país poderá recobrar a normalidade num futuro próximo. Com a evolução da imunização entre todos os cidadãos acima de 60 anos — o grupo mais afetado pela pandemia —, é razoável concluir que o número de mortes deva cair em algumas semanas. Afinal de contas, a ciência — a razão, sublinhe-se — tem a resposta para dias melhores, mas é preciso segui-la com incansável e religioso empenho. Sem concessões.
Publicado em VEJA de 14 de abril de 2021, edição nº 2733