Eis o menu: coxinha de frango assada envolta em crosta de linhaça, muffin de banana sem glúten nem lactose e coelho-quente, ou, se preferir, not-dog, versão de cachorro-quente que traz no recheio cenoura no lugar de salsicha. Suco, sim; refrigerante, não. Às vezes, cada um leva seu copo, os talheres são de madeira de reflorestamento, os pratos, reutilizáveis — e canudos de plástico, claro, nem pensar. Videogames estão vetados. A onda é muito ar livre, pega-pega, tinta, massinha (tudo à base de corante natural). Bem-vindo a um tipo de festa infantil — ora chamada de consciente, ora de sustentável — que revisita fórmulas do passado dando-lhes feições modernas, ao rezar pela cada vez mais onipresente cartilha politicamente correta, ou PC. Se as crianças gostam? Desde que se preservem brigadeiro e bolo de chocolate, o resto é pura farra. “Quem sente mais falta de uma batata frita são os adultos”, diz Daniela Almeida, de 40 anos, dona do bufê Das Dani, no Rio de Janeiro.
Festas dessa natureza não se limitam ao mundo infantil, embora seja ele que venha puxando o mercado nos últimos tempos. Em 2014, quando começou com seu bufê de comida PC, Daniela vivia de casamentos e aniversários em faixas etárias bem superiores, mas aí veio uma festinha, outra e outra, e hoje elas representam metade do negócio. Com a alta procura, surgem casas especializadas como a Meu Pé de Banana, em São Paulo, que registra quase uma comemoração por dia — todas “livres de agrotóxicos e produtos industrializados”, esclarece Duda Marchioretto, de 50 anos, uma das sócias. A criançada, aliás, toma parte no preparo da comida; vai à horta, colhe verduras, legumes e ajuda a fazer o bolo (nesse caso, de cenoura). A arquitetura desses bufês é generosa em áreas verdes, e mais. O Espaço Tragaluz, por exemplo, também em São Paulo, tem teto retrátil para permitir a entrada de luz natural sobre o vasto quintal e aproveita a água da chuva para regar o jardim.
A festinha consciente ganha terreno conforme a preocupação ambiental se expande e o conceito de megacelebrações, que trazem consigo megagastos de toda sorte de recurso, sai de moda. Esse pacote é enlaçado pela ideia — que ecoa hoje em várias áreas, ainda que somente na retórica — de que o bom é simplificar. Mas atenção: as farras infantis sustentáveis não são necessariamente econômicas. Na verdade, a presença de itens orgânicos e artesanais em fartura pode encarecer a conta em torno de 20%. Mesmo assim, muita gente prefere pagar por se afinar ao modelo. “Meu marido tem uma empresa de compostagem e fazemos coleta seletiva em casa. Queríamos que os aniversários de nosso filho refletissem nossos hábitos”, explica a estilista Juliana Toller, de 32 anos, mãe de Bento, de 3 anos.
Um empurrão decisivo para esse gênero de festa vem da busca por uma alimentação mais saudável em tempos de explosão nos indicadores de obesidade infantil, no Brasil e no mundo. Um estudo recente da Organização Mundial da Saúde em parceria com o Imperial College inglês mapeou 123 milhões de crianças e adolescentes acima do peso no planeta; entre os brasileiros, um de cada três briga com a balança. Em quatro décadas, a taxa de obesidade por aqui se multiplicou por cerca de dez. A preocupação com o problema ajuda a tornar mais palatáveis (ao menos aos olhos dos pais, que se esforçam para martelar a lição na cabeça dos filhos) bombons de ricota com kani e tortinhas integrais.
Muitos negócios que brotam no nicho das festinhas PC nascem da observação de maus hábitos alimentares e comportamento nada ecológico dessas comemorações — e esses problemas são, sim, retrato de nosso tempo. Foi assim que Ana Paula Cadena, de 46 anos e mãe de três filhos, decidiu abrir a empresa Escrevendo Festas, no Rio. Ela serve para a garotada guacamole e frutas no palito em cestinhas biodegradáveis. “No início, foi difícil, mas as pessoas estão mudando”, afirma. Quanto mais o estilo se populariza, mais as crianças se habituam a ele e acham natural o coelho-quente. As singelas (e sustentáveis) festas organizadas pela designer Luiza Viveiros de Castro, de 37 anos, eram tão elogiadas que ela também embarcou nesse mercado. Não deixa de ouvir, porém, a sábia voz da filha Olivia, de 4 anos. “Já aconteceu de ela olhar para uma mesa de bolo e perguntar: ‘Cadê o brigadeiro?’.” Justa reivindicação.
Publicado em VEJA de 31 de outubro de 2018, edição nº 2606