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Brasileiros mostram como estimulação cerebral ajuda a controlar epilepsia

Experimentos com roedores feitos na Unifesp sugerem que a técnica promove uma reprogramação dos neurônios afetados pela doença, interrompendo as crises

Por Cristiane Paião, da Agência Fapesp
Atualizado em 4 jun 2024, 11h45 - Publicado em 11 out 2022, 11h59

Pesquisadores da Escola Paulista de Medicina da Universidade Federal de São Paulo (EPM-Unifesp) têm investigado, por meio de experimentos com animais, como a estimulação cerebral profunda (ECP) com alta frequência pode ajudar no controle da epilepsia – doença neurológica caracterizada por descargas elétricas anormais e excessivas no cérebro que são recorrentes, gerando convulsões. Resultados recentes foram publicados na revista Brain Stimulation.

Coordenado pela professora Luciene Covolan, o estudo mostrou que a estimulação do núcleo anterior do tálamo por meio de eletrodos implantados na parte central do cérebro é capaz de suprimir as crises epilépticas em longo prazo ao aumentar a produção de adenosina – substância resultante do metabolismo energético das células e que tem um papel importante no processo de comunicação entre neurônios.

O artigo é fruto do projeto “Contribuição da adenosina para o papel antiepileptogênico da estimulação cerebral profunda no núcleo anterior do tálamo”, desenvolvido com o apoio da Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo (Fapesp). A pesquisa continua agora, numa nova etapa, em parceria com a Universidade de Rutgers, nos Estados Unidos.

“Quando uma pessoa tem epilepsia, ela tem excesso de adenosina quinase [ADK] no cérebro. Essa enzima faz a metilação do DNA dos neurônios – uma modificação bioquímica [adição de um grupo metil à molécula] que altera a expressão dos genes. Basicamente, isso altera a função da célula e pode ser um dos fatores responsáveis pela geração das crises epilépticas. Então, quando observamos que aumentando a adenosina com a estimulação cerebral profunda ocorre uma redução da enzima adenosina quinase, notamos que há também uma redução dessas crises. Concluímos que é possível que esteja acontecendo uma espécie de reprogramação dos neurônios envolvidos nos circuitos epilépticos. Nossa hipótese é que, ao estimular o núcleo anterior do tálamo, o aumento da adenosina e a redução da adenosina quinase levam à atenuação e até remissão das crises em alguns casos, por atuar na transmetilação do DNA presente nas células desses circuitos cerebrais”, explica Luciene.

A hipótese que está sendo testada no modelo experimental, com os roedores, é que o tecido cerebral pode estar sofrendo modificações no DNA. “O efeito do tratamento das crises epilépticas com a estimulação cerebral profunda tem caráter de melhora progressiva, ou seja, as crises vão sendo reduzidas ao longo do tratamento. Elas não cessam abruptamente. Isso indica que a adenosina pode estar atuando para além da simples ligação com os seus receptores, em diversos outros mecanismos. Um deles, por exemplo, seria a estabilização do potencial elétrico das membranas neuronais. Esse é um mecanismo que nós ainda temos de investigar melhor, mas há um forte indício de que possa estar acontecendo”, destaca.

Conforme Luciene, a descoberta é importante porque, em longo prazo, pode ajudar a desenvolver tratamentos menos invasivos para os pacientes que não têm indicação para cirurgia.

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“Entendemos que esse mecanismo da adenosina funciona como se estivéssemos ensinando a célula a voltar ao normal. Se estivermos certos, poderemos, por exemplo, começar a pensar em estratégias e tratamentos para a epilepsia em si e não apenas para a redução das crises, como vínhamos fazendo até aqui”, explica a pesquisadora à Agência Fapesp.

A epilepsia atinge atualmente mais de 50 milhões de pessoas no mundo e cerca de 3 milhões de brasileiros, de acordo com a Organização Mundial de Saúde (OMS). Cerca de 70% dos casos são controlados com o uso de medicamentos adequados, entretanto, 30% não respondem à medicação e para eles há poucas alternativas, entre elas a cirurgia de ressecção, que envolve a retirada da região do cérebro em que as crises epilépticas acontecem. Quando essa área está bem definida no paciente, a probabilidade de controle no longo prazo é razoavelmente alta. Contudo, nem sempre isso acontece. Em alguns pacientes, não é possível saber onde as crises começam ou, mesmo que se saiba, às vezes não é possível obter sucesso com essa técnica.

É por isso que o grupo da Unifesp tenta, por meio dos experimentos com roedores, entender como seria possível abrir outras frentes de tratamento para a epilepsia, especialmente a de lobo temporal, que acomete 30% das pessoas com a doença.

A cirurgia para o implante dos eletrodos que fazem a estimulação cerebral profunda foi recentemente aprovada nos Estados Unidos e no Brasil como uma opção de tratamento alternativo para os pacientes que já não respondem ao tratamento medicamentoso. Apesar dos estudos clínicos mostrarem que um número expressivo deles apresenta redução das crises, o mecanismo de ação ainda é pouco estudado.

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“Em 2010, um achado clínico importante de um outro grupo de pesquisadores mostrou que os pacientes epilépticos que passavam por essa cirurgia e tinham eletrodos implantados no núcleo anterior do tálamo apresentavam redução progressiva das crises ao longo dos anos de estimulação. Muitos apresentavam reversão total do quadro entre dois e cinco anos de tratamento, com uma melhora significante na qualidade de vida, mas ainda faltava entender como e por que isso estava acontecendo”, ressalta.

Papel do tálamo na epilepsia

O tálamo é uma espécie de chave “liga e desliga” para as nossas ações. Ele está localizado em uma posição central do cérebro, que recebe informações de todas as vias sensoriais e as distribui para o córtex. Também faz importantes conexões entre sistemas envolvidos na geração e propagação das crises epilépticas límbicas. Toda vez que uma crise epiléptica se inicia (em uma região cortical), necessariamente, essa informação passa instantaneamente pelo tálamo e é distribuída por todo o circuito, retornando ao córtex cerebral de onde surgem as manifestações no paciente. É por esse motivo que ele foi escolhido para o estudo da Unifesp, segundo Luciene.

“O que nós estamos tentando fazer, quando investigamos o que acontece na estimulação cerebral profunda, é evitar que essa informação da crise epiléptica que aconteceu em um ponto específico do cérebro chegue a outras áreas, para que a crise não se espalhe”, explica a coordenadora do estudo.

De acordo com a cientista, a manifestação clínica da crise epiléptica está relacionada com a área do cérebro onde ela é gerada. A convulsão pode ser rápida ou prolongada; com ou sem alteração da consciência; com fenômeno motor, sensitivo ou sensorial; única ou em salvas; quando a pessoa está acordada ou durante o sono, por exemplo. E tudo vai depender de onde isso vai se originar no cérebro.

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“É como uma orquestra, o seu sistema nervoso te prepara para dar uma resposta. E o tálamo seria o regente dentro desse circuito, que inclui o hipocampo e outras estruturas límbicas que caracterizam a epilepsia de lobo temporal”, explica a professora.

“Se a gente modular a atividade do tálamo, por meio da estimulação cerebral profunda, quando ele for conversar com o córtex vai inibir essa passagem de informações. As crises epilépticas podem gerar respostas de contrações musculares e chegar até a perda da consciência. A crise só vai ter expressão motora, por exemplo, se ela chegar ao córtex motor, que vai dar aos neurônios da medula espinhal a ordem para os músculos contraírem ou não. Então, pode acontecer de a pessoa estar tendo uma crise no hipocampo e ela não chegar ao córtex? Pode. E é exatamente isso que estamos tentando fazer, modular a atividade neuronal para que ela não se espalhe pelo córtex com intensidade suficiente, evitando que o paciente tenha essas descargas ou perca a consciência”, explica.

Próximos passos

Nesta próxima etapa, Luciene conta que os pesquisadores querem entender, entre outras questões, como está sendo realizada a metilação do DNA dos neurônios após a redução da adenosina quinase, isto é, esse processo de mudança de função das células.

“Nós vimos que diminuiu a adenosina quinase, que fazia uma metilação no DNA num determinado nível do rato epiléptico, mas eu estou agora fazendo testes para mensurar exatamente essa metilação”, pondera.

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Além disso, também é preciso entender, a partir de agora, que novas substâncias ou medicamentos poderiam ser desenvolvidos para auxiliar o tratamento dos pacientes, tendo em vista que conseguiram compreender melhor o mecanismo de ação da estimulação cerebral profunda na epilepsia.

“Estamos fazendo uma revisão sistemática dos modelos experimentais de epilepsia que usam a estimulação cerebral profunda e analisando muitos dados. Vamos fazer análises mais complexas do DNA, para ver o que está mudando de fato. Se essa metilação ou transmetilação vai gerar diferentes proteínas que serão transcritas, se o DNA está mudado ou não após a estimulação. Mas são experimentos de alto custo. Vamos submeter outros projetos. Seria muito legal se tivéssemos um produto, talvez uma patente”, comenta a pesquisadora.

Também participaram da pesquisa Christiane Gimenes, Maria Luiza Motta Pollo e Eduardo Diaz, do Departamento de Fisiologia da Unifesp, bem como Eric Hargreaves, do Jersey Shore University Medical Center, e Detlev Boison, da Robert Wood Johnson Medical School, da Universidade de Rutgers.

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