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“A relação mais importante é a que você tem com si mesmo”, diz psicóloga best-seller

Em sua primeira visita ao Brasil, a psicoterapeuta e escritora Philippa Perry aborda parentalidade, saúde mental e o poder das conexões autênticas

Por Ligia Moraes Materia seguir SEGUIR Materia seguir SEGUINDO Atualizado em 31 out 2024, 19h05 - Publicado em 31 out 2024, 17h15
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  • A psicoterapeuta, escritora e apresentadora Philippa Perry chega ao Brasil pela primeira vez entre os dias 23 e 29 de novembro para uma série de eventos em que discutirá temas centrais de seu trabalho: parentalidade, saúde mental e conexões humanas. Reconhecida pelo estilo acessível e direto com que aborda questões complexas, ela é autora de best-sellers como O Livro que Você Gostaria que Seus Pais Tivessem Lido e, mais recentemente, O Livro que Você Gostaria que Todas as Pessoas que Você Ama Lessem, lançado no Brasil pela Companhia das Letras.

    Além de suas obras literárias, é conhecida pelo trabalho como colunista no jornal The Observer, onde oferece aconselhamento sobre relacionamentos e saúde mental, e por programas de rádio e TV na BBC.

    Philippa desembarca no país para ministrar a aula “A palestra que você gostaria que seus pais tivessem assistido e seus filhos ficarão felizes que você assistiu” em 28 de novembro no Teatro Santander. A explanação faz parte da 6ª edição do G.A.T.E. Academy, evento sobre educação internacional organizado pela agência de intercâmbios STB em parceria com o JK Iguatemi e a The School of Life. Antes disso, ela participa do encontro hsm+.

    Em entrevista exclusiva a VEJA, a escritora compartilhou suas reflexões sobre o papel da autenticidade e da vulnerabilidade nas relações humanas, abordando a importância do autocuidado e de uma comunicação mais aberta e genuína. Sua visão se alinha à necessidade crescente de criar laços mais profundos e significativos em um mundo cada vez mais digital e fragmentado.

    Com a palavra, a autora:

    Para começar, gostaria de entender a motivação por trás do seu livro, que tem um título provocativo. O que a inspirou a escrevê-lo e quais são os principais ensinamentos que você espera que os leitores absorvam?

    O livro fala sobre os relacionamentos humanos. Como terapeuta, percebi que, em 99% das vezes, os problemas que trazem as pessoas à terapia estão relacionados a como elas se conectam com os outros e consigo mesmas. Quando alguém me procurava com qualquer tipo de problema, quase sempre havia uma relação com experiências passadas ou com a forma como se relacionavam consigo ou com os outros. Então, decidi escrever sobre relacionamentos para ajudar a entender melhor como os criamos e porque os criamos.

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    Dividi o livro em várias partes, explorando temas como conexão, discussão, mudança e contentamento, porque acredito que esses elementos são centrais para nossos relacionamentos. Falo sobre como nos conectamos e por que isso é importante, como lidamos com conflitos e aprendemos a argumentar, e como encontrar contentamento na vida – algo que, para mim, está sempre enraizado na qualidade dos nossos relacionamentos.

    Você enfatiza no livro que cada pessoa é responsável pela forma como se relaciona com os outros e que apenas nós mesmos podemos mudar esses comportamentos. Como essa responsabilidade pessoal pode se manifestar em situações de conflito real?

    Penso que a responsabilidade pessoal começa com a decisão de sermos quem realmente somos, sem máscaras ou papéis predefinidos. Quando nos mantemos autênticos, aceitamos nossas próprias limitações e falhas, o que facilita entender o lado do outro também. Em conflitos, se nos sentimos seguros o suficiente para admitir vulnerabilidades, é mais provável que consigamos enxergar o que o outro precisa e como o diálogo pode evoluir sem defensivas. Ser sincero e evitar culpar os outros ajuda a criar um ambiente de compreensão mútua, tornando o conflito uma oportunidade de aprendizado e crescimento.

    Falando em autenticidade, você também aborda o mito do amor perfeito e como expectativas irreais podem ser prejudiciais para os relacionamentos. Quais são as expectativas mais comuns que as pessoas precisam superar e como podem fazer isso?

    Muitas pessoas entram em um relacionamento com expectativas elevadas e acabam idealizando o parceiro, preenchendo lacunas com suas próprias fantasias. Durante os primeiros 18 meses a 2 anos, mais ou menos, acreditamos que o parceiro é perfeito e nos sentimos realizados. No entanto, com o tempo, a realidade se impõe, e percebemos que estamos diante de uma pessoa real, com falhas e defeitos. Esse é o ponto em que o relacionamento pode se fortalecer, pois passamos a ver e aceitar a outra pessoa como ela realmente é, ou pode desmoronar, caso as expectativas irreais persistam.

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    Outro mito comum é o de que devemos nos “fundir” com a outra pessoa, como se “nós dois fôssemos um”. Para mim, isso é muito prejudicial. O amor verdadeiro envolve duas pessoas que se mantêm independentes, que têm vidas e personalidades próprias, mas que compartilham a vida juntas. Quando perdemos essa individualidade, acabamos presos em relações onde não há crescimento e o relacionamento fica estagnado.

    Sobre comunicação, você destaca que ela é essencial para construir relações fortes. Que estratégias específicas você recomenda para diálogos mais abertos e honestos, especialmente quando as emoções estão à flor da pele?

    Essa questão é muito interessante, especialmente quando pensamos nas diferenças culturais entre o Brasil e a Europa. Em países mais frios, como no norte da Europa, tendemos a ser mais “recatados” emocionalmente. Por isso, meu conselho mais comum é: não seja quem você acha que deve ser, mas sim quem você realmente é. Muitas vezes, temos a ideia de que precisamos nos comportar de uma certa maneira, colocar uma máscara, mas quando fazemos isso, escondemos nossa essência e nos tornamos menos acessíveis para relações verdadeiras. Portanto, meu conselho principal é abandonar essa máscara.

    É claro que isso não é algo simples, pois nem sempre sabemos exatamente quem somos, especialmente com as “neuroses” e inseguranças que podem surgir. No entanto, ao nos tornarmos mais genuínos e autênticos, facilitamos a abertura de um diálogo verdadeiro. A comunicação honesta, sem expectativas irreais ou julgamentos, é um passo importante para construir vínculos mais profundos.

    Você também explora o papel da vulnerabilidade nas relações. Como a aceitação dessa fragilidade pode transformar dinâmicas familiares ou de amizade?

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    A vulnerabilidade está diretamente ligada à autenticidade. Se, por exemplo, você acredita que precisa ser sempre uma pessoa forte, que tem todas as respostas e nunca sente medo, acaba escondendo sua vulnerabilidade, o que significa que você não está realmente disponível para se conectar com os outros. E sem vulnerabilidade, a intimidade verdadeira não pode existir.

    Penso que, ao permitirmos que as outras pessoas vejam nossos pontos fracos e nossas imperfeições, oferecemos a oportunidade para que elas também se abram. Quando escondemos nossas fraquezas ou criamos uma imagem idealizada, acabamos criando barreiras que dificultam a conexão. Acredito que a autenticidade, por mais desconfortável que seja, é a chave para as relações saudáveis. Se, por exemplo, eu cometi um erro e admito isso, estou mostrando a minha humanidade, e isso abre espaço para um contato mais real.

    Muitas pessoas ainda hesitam em procurar ajuda para saúde mental, especialmente dentro do contexto familiar. Que mensagem você gostaria de passar para essas pessoas?

    Acredito que muito desse receio vem de uma sensação de que precisamos parecer fortes o tempo todo ou de que não podemos mostrar falhas. Mas, na verdade, é completamente humano sentir tristeza, raiva ou qualquer emoção que surge em nossa vida. No meu livro, falo sobre a importância de nos aceitarmos como somos e de buscarmos apoio quando necessário. Pedir ajuda é um sinal de autocuidado e não uma fraqueza. Mostrar às pessoas próximas que somos vulneráveis e que precisamos de suporte pode abrir espaço para uma compreensão mútua, ajudando a diminuir o estigma em torno do tema.

    Vamos falar sobre a infância. Você afirma que nossas experiências iniciais moldam nossos relacionamentos futuros. Como um adulto pode refletir sobre essas experiências e reconhecer padrões de comportamento que afetam sua vida hoje?

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    É muito difícil olhar para si mesmo e perceber que aquilo que achamos ser “normal” ou o “padrão” é, na verdade, o resultado de como fomos criados e de nossas primeiras relações. Todos somos formados em relação aos nossos cuidadores iniciais e, se tivemos pais amorosos e confiáveis, tendemos a replicar essas características em nossas relações. Mas se crescemos em um ambiente onde não era seguro sermos quem realmente éramos, aprendemos a nos esconder e a desconfiar dos outros.

    Os nossos primeiros relacionamentos, especialmente com pais e irmãos, nos marcam profundamente. Existe uma expressão que diz “o primeiro corte é o mais profundo”, e acredito que isso resume bem a questão. A primeira impressão que temos sobre como as relações funcionam, e sobre o que significa amar e ser amado, vem de nossas relações iniciais, e isso nos acompanha pela vida inteira. É claro que com o tempo, outras pessoas entram em nossa vida e essas experiências podem ajudar a moldar e até modificar quem somos, mas as marcas das relações iniciais são muito profundas e duradouras.

    Que conselho você daria a pais e cuidadores para promover o bem-estar emocional em seus filhos?

    A coisa mais importante que uma criança precisa é de uma relação segura com os pais, onde possa ser ela mesma, sentindo-se “em casa”. Muitos pais caem na armadilha de pensar que os filhos são como um projeto, algo a ser moldado para que “dê certo”. Mas, na verdade, o que os filhos mais precisam é de um ambiente onde se sintam seguros e aceitos, onde saibam que podem expressar seus sentimentos sem medo de rejeição.

    Um lar saudável não significa aceitar todos os comportamentos sem limites, mas sim ensinar a expressar emoções de forma saudável. Por exemplo, não é que uma criança nunca possa ficar com raiva, mas ela pode aprender a dizer “estou com raiva” ao invés de quebrar objetos para expressar esse sentimento. Se reprimimos essas emoções, acabamos criando adultos que não sabem como lidar com elas, o que pode resultar em problemas como a depressão. Criar uma relação segura com os filhos é dar a eles a base emocional que precisam para se tornarem adultos mais equilibrados.

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    Na era digital, como podemos construir relações genuínas?

    Hoje, as pessoas interagem muito online, mas esse tipo de contato é superficial e, muitas vezes, substitui o contato face a face. O isolamento da pandemia foi um grande experimento sobre isso, e muitas pessoas se acostumaram a evitar a interação presencial, o que acabou enfraquecendo o “músculo social”. Ficar atrás das telas e interagir apenas virtualmente enfraquece nossas habilidades sociais e nos torna menos confiantes nas interações reais.

    Quando estamos em redes sociais ou trocando mensagens, estamos em contato apenas superficialmente. Esse tipo de comunicação nos faz perder o hábito de buscar relações mais profundas e pessoais, o que pode levar a sentimentos de vazio e isolamento. Acredito que precisamos resgatar o hábito de mostrar quem realmente somos, de aceitar as pessoas como são e de buscar interações face a face sempre que possível. Só assim conseguiremos criar vínculos autênticos.

    Quais práticas diárias você recomenda para ajudar os leitores a implementar os princípios discutidos em seu livro? Como essas práticas podem melhorar a interação e a conexão com os outros?

    Acho que o mais importante é praticar a honestidade consigo e com os outros. Se você está triste ou irritado, seja honesto sobre isso em vez de esconder. Outra prática é procurar interações presenciais sempre que possível. Sabemos que mensagens de texto e redes sociais são convenientes, mas o contato face a face é insubstituível para criar laços mais fortes. Além disso, tente sempre ver as pessoas como elas são, aceitando suas falhas e qualidades. Quanto mais conseguirmos viver sem expectativas irreais, mais autênticas serão nossas relações.

    Por fim, se pudesse resumir a principal lição do seu livro, qual seria?

    Talvez a lição mais importante seja que a relação mais significativa que você pode ter é consigo mesmo. Sua relação com você é o modelo para suas outras relações. Se você é muito autocrítico, tende a criticar os outros, por exemplo. Por isso, acredito que investir em autocompaixão e aceitação pessoal é a base para todas as relações saudáveis. Quando você se trata com gentileza, fica mais fácil tratar os outros da mesma maneira.

    Se você realmente deseja melhorar suas relações, comece olhando para dentro. Pergunte-se como você se trata e se isso é algo que gostaria de reproduzir nas suas relações. Mudar o que está dentro de nós é a única forma de realmente transformarmos as nossas interações.

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