Apenas onze dias antes da eleição americana de 2016, James Comey, então diretor do FBI, a polícia federal americana, avisou ao Congresso que tinha descoberto nova leva de e-mails relacionados à candidata democrata Hillary Clinton. A suspeita: os e-mails podiam ter usado um servidor privado, quando deveriam ter ficado nos registros públicos, já que Hillary era à época secretária de Estado. Dois dias antes do pleito, Comey disse aos congressistas que o material não incriminava Hillary. Mas o dano estava feito: o assunto dominava a corrida eleitoral e serviu de munição para Donald Trump acusar Hillary de ter cometido crime (conclusão diferente daquela a que chegou o próprio FBI). A democrata credita sua derrota, em parte, a esse episódio.
É uma ironia que, quase um ano depois, seis assessores da Casa Branca tenham sido flagrados utilizando contas pessoais de e-mails para tratar de assuntos oficiais, incluindo o genro do presidente, Jared Kushner, e sua mulher, a primeira-filha Ivanka. Os casos têm proporções diferentes. Hillary mantinha um servidor privado e trocou milhares de e-mails, que abarcavam mensagens de conteúdo sensível do governo. Até onde se sabe, o uso de e-mails pessoais pela equipe de Trump foi muito mais restrito. No entanto, como Trump valeu-se da suspeita para apresentar sua rival como uma criminosa — e inclusive pedir sua prisão —, a hipocrisia agora ficou patente.
Publicado em VEJA de 4 de outubro de 2017, edição nº 2550