No último dia 18 de abril, a imprensa questionou a realocação, pelo Ministério do Planejamento, de 209 milhões de reais para a Secretaria de Comunicação da Presidência. Boa parte desses recursos seria destinada a programas para o combate à violência contra a mulher. Em vez disso, servirá agora para financiar uma nova leva de campanhas publicitárias.
É importante recuperar alguns dados para que entendamos o equívoco dessa decisão. O Fórum Brasileiro de Segurança Pública, em levantamento de 2016, chegou ao número alarmante de um estupro a cada onze minutos no país. Em 70% dos casos, a vítima conhece seu algoz. Dados de 2017 do Instituto Maria da Penha mostram que a cada 7,2 segundos uma mulher é vítima de violência física. Duas em cada três universitárias brasileiras disseram já ter sofrido algum tipo de violência (sexual, psicológica, moral ou física) no local de estudo, diz relatório do Instituto Avon.
A violência contra a mulher não acontece no baile, na noite. Não depende do tamanho da saia da vítima, de quantas doses ela bebeu. Ela tem todas as cores, todas as raças, é de direita e de esquerda. Ela é regra, é norma.
Há quem, erroneamente, diga que se trata de uma onda. Que estamos diante de um momento atípico de explosão de casos de violência contra a mulher. Que a culpa é da crise. Do desemprego. É a lei que é muito “aberta”. Não. Sabe-se que há, sim, uma explosão, ainda bem, de denúncias. Há mais mulheres conscientes de seus direitos dispostas a encarar a dolorosa tarefa de denunciar seu algoz para que dores futuras sejam impedidas e dores passadas encontrem justiça. A violência contra a mulher não é um fenômeno novo ou que ganhou, por qualquer razão, nova dimensão. Temos de nos dispor, como sociedade, a olhar para o estupro como uma cultura — um conjunto de práticas que vão desde o fiu-fiu até o feminicídio e estão presentes em todos os espaços a todo tempo. O governo Temer desconhece esses dados? A falta de representatividade feminina em seu alto escalão tem, sim, impacto negativo na capacidade de tomar decisões que dialoguem com grupos sociais silenciados em nossa sociedade e ausentes dos espaços de poder. Mas desta vez não se trata apenas disso.
Quando ocupava a pasta da Justiça, o hoje ministro do STF Alexandre de Moraes apresentou seu Plano Nacional de Segurança Pública. Na ocasião, o plano recebeu duras críticas, em especial pela maneira conservadora com que pretendia lidar com a questão das drogas. Contudo, o plano de Moraes tinha um substantivo conjunto de medidas pensadas para lidar com a violência contra a mulher e a cultura do estupro. Tais medidas eram essencialmente o que qualquer governo deve fazer ao enfrentar esse triste quadro. O plano nunca saiu do papel. Mas estavam lá as provas de que este governo não ignora por completo o que vivem as mulheres do país. Então, como explicar a realocação de verbas? Infelizmente, estamos diante de mais uma decisão que privilegia a vontade de manter os que têm poder no poder em vez de garantir os direitos da população.
Publicado em VEJA de 2 de maio de 2018, edição nº 2580