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Proposta indecente

Além de ignorarem a crise, os planos de gastos não têm contrapartidas

Por Sérgio Lazzarini
Atualizado em 15 jun 2018, 06h00 - Publicado em 15 jun 2018, 06h00

EM PLENA crise fiscal, a Assembleia Legislativa de São Paulo aprovou um projeto que aumenta o teto dos salários dos funcionários públicos de 22 000 para 30 000 reais. A votação foi uma goleada de 67 a 4. O limite de remuneração equiparou-se ao dos juízes de segunda instância. Um deles chegou até a dizer que sua categoria necessitava de auxílio-moradia porque juízes pagam imposto de renda e precisam comprar ternos novos em Miami. O “bom exemplo” da Assembleia deve encorajar outras iniciativas na mesma linha — mostrando, mais uma vez, a total insensibilidade dos políticos, e dos grupos de interesse que os apoiam, à severidade da crise brasileira.

O deputado que liderou a proposta na Assembleia justificou o seu feito dizendo que o estado precisa reter talentos. Em um de seus exemplos, afirmou que as universidades públicas têm perdido bons professores. Em tese, um salário maior não somente ajudaria a reter essas pessoas como também poderia motivá-las nas suas atividades de ensino, pesquisa e extensão à comunidade. A mes­ma lógica se aplicaria a outros casos. Por exemplo, uma categoria que aplaudiu o maior teto foi a dos auditores fiscais. Sendo mais bem remunerados, eles não precisariam — também em tese — complementar sua renda com propinas.

Como sempre, o problema desses argumentos em defesa de mais gastos é que eles não vêm com contrapartidas. Que critérios serão usados para a promoção rumo ao teto? E, não menos importante, o que acontecerá com aqueles que pouco se esforçarem na carreira? O diabo mora nesses “detalhes”. Apesar de ser prevista pela Constituição Federal (artigo 41), a demissão de funcionários públicos por insuficiência de desempenho não é praticada, e a ascensão no cargo é excessivamente calcada em tempo de casa — e, frequentemente, em pura e simples politicagem. Voltando ao exemplo da universidade, um professor que dá péssimas aulas ou que faz pouca pesquisa pode permanecer ali indefinidamente, ocupando uma vaga que poderia ser preenchida por profissionais mais dispostos a realizar um bom trabalho. Ao se aposentar precocemente e com salário integral, ele fará com que as novas gerações carreguem o peso de sua incompetência.

Além disso, estratégias para reter talentos não precisam ser necessariamente custeadas por orçamento público. Ainda no exemplo das universidades, em vários centros públicos internacionais o professor pode receber uma complementação de renda caso se torne destaque em sua área, por meio de doações de famílias ou institutos (a chamada “cátedra”). No Brasil, com tantos ex-alunos ricos e que estudaram de graça, seria mais que justo clamar por esse tipo de apoio. Mas aqui essas doações são rechaçadas por grupos de alunos e funcionários públicos, que alegam serem uma submissão à lógica “privada”. Eles temem que o setor perca autonomia, quando pode acontecer justamente o contrário, caso consiga reter talentos e apoiar projetos de valor à sociedade. Por certo, dá bem menos trabalho defender mais gastos públicos sem especificar como eles se reverterão em maior esforço, melhores serviços e benefícios para quem realmente precisa. Mais indecente que isso, impossível.

Publicado em VEJA de 20 de junho de 2018, edição nº 2587

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