Para entrar nos eixos
O governo espanhol intervém na Catalunha e convoca novas eleições, que vão pôr à prova o apoio da população aos separatistas
Em Barcelona, a calmaria das ruas contrasta com a agitação da política. Nos arredores da Sagrada Família, a igreja projetada por Antoni Gaudí, crianças vão à escola acompanhadas dos pais. As mesas dos bares e restaurantes estão cheias de espanhóis e turistas. O calçadão de Las Ramblas, onde treze pessoas morreram em um atentado terrorista em agosto, está apinhado de estrangeiros com câmera na mão. Bem ao lado, no palácio do governo local, tremula a bandeira da Espanha. Há estandartes listrados da Catalunha, usados pelos separatistas, em varandas em quase todas as ruas, mas eles não dão a medida da revolução política que sacode a região.
O movimento independentista catalão — que ganhou vigor no referendo de 1º de outubro, quando 43% dos eleitores foram votar e 90% deles preferiram a independência — viveu seu clímax na sexta-feira 27. Nesse dia, às 15h26, os legisladores locais aprovaram um processo constituinte que foi largamente interpretado como uma declaração unilateral de independência. Às 16h11, em Madri, o Senado espanhol aprovou uma medida excepcional de intervenção no governo catalão. Nas horas seguintes, países europeus em sequência, como a Inglaterra e a Alemanha, disseram não reconhecer a nova república catalã. Fechando o dia, pouco depois das 20 horas, o presidente espanhol Mariano Rajoy anunciou a destituição do presidente catalão Carles Puigdemont, de seus ministros e do chefe dos Mossos, a polícia local. Rajoy também convocou eleições parlamentares na Catalunha para 21 de dezembro.
Ao chamar as eleições, Rajoy deixou os separatistas sem saída, porque suavizou a intervenção espanhola e as críticas em relação ao uso excessivo da força durante o referendo. A mensagem que ele quer passar é que tudo continua normal na Catalunha, onde há democracia e respeito aos direitos civis.
Ao destituir Puigdemont, o governo pôs em seu lugar a vice-presidente espanhola Soraya Sáenz de Santamaría, e frisou que ela só ficará lá até a nova eleição. O ambiente eleitoral minou a resistência dos catalães separatistas. Na segunda 30, Puigdemont e parte de seus ministros viajaram em segredo para a Bélgica. Foram de carro até a fronteira com a França e depois pegaram um avião. O independentista não pediu asilo, mas cobrou garantias de julgamento justo (ele pode ser condenado por insurreição) e defendeu a participação dos separatistas no pleito de dezembro.
A data que se avizinha funcionará como um referendo para ambos os lados da disputa. Nas urnas, todos os catalães terão a oportunidade de dizer de que lado estão, em condições justas. Para os favoráveis à separação, é uma oportunidade de chancelar o movimento de ruptura, que conta hoje com o apoio de 48,7% dos catalães. Para os unionistas, pode ser a chance de denunciar o caos político e institucional que já afugentou 1 700 empresas da região. Eles também poderão cristalizar a frustração com a capenga república que foi anunciada, cujo líder preferiu se autoexilar.
Entre a sexta-feira caótica e a ida de Puigdemont para a Bélgica, 300 000 manifestantes foram às ruas em Barcelona com bandeiras da Espanha e pediram a prisão do líder separatista. Famílias levaram bebês e cachorros ao protesto. “Eu sou catalã, espanhola e europeia. Meus avós e meus pais são catalães, falamos catalão em casa, e não entendo esse sentimento independentista”, disse a empresária Silvia Egido Ribes, de 36 anos, durante a manifestação. Mesmo que o movimento independentista sofra uma inflexão nas eleições, não se deve esperar que suma tão cedo. Diz o catalão Oriol Bartomeus, professor de ciência política na Universidade Autônoma de Barcelona: “O problema de fundo continua. Há uma maioria na Catalunha que não está de acordo com a maneira como a região e a Espanha se relacionam, e essa maioria encontrou uma solução no independentismo”.
Publicado em VEJA de 8 de novembro de 2017, edição nº 2555