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O que quer Xi Jinping

Com volta do líder único, China encerra capítulo em que o poder máximo era compartilhado e se prepara para ser a número 1 do mundo

Por Fausto Godoy
Atualizado em 6 mar 2018, 12h23 - Publicado em 2 mar 2018, 06h00

Quando o 19º Congresso do Partido Comunista formalizou, em outubro do ano passado, o que até as pedras das ruas sabiam — que o presidente da República Popular da China, Xi Jinping, seria reeleito para mais um mandato de cinco anos à frente do Partido Comunista Chinês —, já se podiam prever alguns prováveis desdobramentos da sessão plenária. Entre eles, o de acabar com a norma inscrita na Constituição de 1982 que limita o exercício do cargo de presidente a dois mandatos de cinco anos. E foi isso que o Comitê Central do partido anunciou no dia 25.

O que significa a mensagem?

Significa que o poder na China volta a ser unipessoal, replicando as trajetórias de Mao Tse-tung e Deng Xiaoping. Ou seja, o partido, e a República Popular, continuará a ser liderado por uma única autoridade — e a mais poderosa em décadas. Encerra-se, aparentemente, o capítulo em que o poder máximo era compartilhado, como no caso dos antecessores imediatos de Xi (Hu Jintao e Wen Jiabao) e dos predecessores destes (Jiang Zemin, Li Peng e Zhu Rongji). Esse modelo foi fruto do empenho de Deng, que designou para lhe suceder não mais um líder único, mas um colegiado de tecnocratas que pudesse levar adiante a sua política de abertura da economia.

Para os críticos desse sistema de colegiado, a “pulverização” do poder decisório e o perfil “técnico” dos ocupantes dos cargos — engenheiros, na maioria — foram os responsáveis por várias mazelas que a nova liderança — Xi Jinping — se empenha em erradicar. Focados em dar prolongamento à política de Deng de consolidação do “socialismo com características chinesas”, eles teriam “fechado os olhos” para a corrupção que grassava no país (e no partido, principalmente). Esse comportamento, no entender de Xi, foi um dos maiores empecilhos para que a China assumisse o papel que, segundo ele, está reservado a ela no mundo. Erradicar a corrupção tornou-se, neste seu primeiro mandato, uma obsessão para Xi (que seus críticos veem mais como “caça às bruxas” destinada a descartar opositores).

Concomitantemente, a China deu impulso à consolidação de projetos grandiosos, que transformarão o país, na visão de Xi Jinping, no líder do planeta. Entre esses projetos está o Made in China 2025, que elegeu cerca de dez setores de ponta como a prioridade da política de desenvolvimento. Sobre eles a China se debruçará nos próximos anos para mudar seu perfil de potência comercial para potência tecnológica. Ou seja, sua economia vai abandonar decididamente, ainda que de forma paulatina, a fase dos produtos de baixo conteúdo tecnológico, transferindo para os seus vizinhos menos desenvolvidos a produção — e a comercialização — das mercadorias que alavancaram o seu protagonismo no cenário econômico-comercial mundial nestes últimos anos. A China aspira a assumir liderança também nas áreas do futuro.

De maneira ainda mais ambiciosa, Xi foi anfitrião, em Pequim, em maio do ano passado, de uma reunião de líderes mundiais, quando apresentou o seu One Belt, One Road, plano estratégico que pretende reconstituir a que foi a maior rota de comércio da humanidade, a Rota da Seda. O seu trajeto recomporia as vertentes terrestres e marítimas da antiga via, unindo as economias da Eurásia e da África. O financiamento viria dos bilhões de dólares das reservas mantidas nos cofres da República Popular da China.

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E o que pretende Xi Jinping com isso?

Segundo o líder chinês, o país viverá um processo de crescimento mais lento de sua economia, porém de melhor qualidade e “people-oriented” (voltado para as pessoas), buscando elevar o padrão de vida e de consumo da população. E se tornará cada vez mais globalizado. Outro foco, como corolário dessa abertura, será fazer da República Popular a grande potência geoeconômica e geopolítica do Pacífico — e do mundo — até meados deste século. Como ele afirmou no encerramento de sua fala no plenário do 19º Congresso do PCC, “o povo e a nação têm um grande futuro à sua frente (…). Estamos todos orgulhosos e confiantes em viver nesta grande era e sentimos a grande responsabilidade diante de nós”.
Será? Os desafios que a China enfrenta são da magnitude do seu território e da sua população:

– Em primeiro lugar, como resolverá a questão do envelhecimento da população e dos efeitos complexos da política adotada até recentemente de “um só filho por família” (agora se permitem dois), que já criou um vácuo entre as gerações com consequências ainda não equacionadas?

– Como conseguirá sustar o êxodo rural e o inchaço das metrópoles, com uma população que já beira a casa do 1,4 bilhão?

– Como alcançará evitar o crescente desnível entre as classes sociais, que transformou o maoismo estiolado numa das maiores concentrações de renda do planeta?

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– E, finalmente, como lidará com a “questão democrática”, que a exposição da sua população ao mundo e às mídias sociais instiga?

Uma só baliza: o “Mandato do Céu”, teoria de base confucionista criada na dinastia Zhou (1046 a 256 a.C.), pode ser, por ora, o garante desse processo de aggiornamento. Segundo a teoria, o governante (o “filho do Céu”) recebe da população o mandato para velar por ela e governá-la da melhor maneira. Entretanto, esse mandato é condicionado ao desempenho do governante: caso ele não cumpra o seu dever “sagrado” de beneficiar o povo, perderá o mandato e será substituído. Essa tem sido, desde os primórdios, a base da governança na China. Ou seja, enquanto Xi Jinping e o PCC estiverem patrocinando o bem-estar da maioria da população — como ela o percebe —, permanecerão no poder, em que pesem as críticas. Caso contrário…

* Fausto Godoy é embaixador e serviu em onze postos na Ásia ao longo de dezesseis anos. É professor de relações internacionais e coordenador do Núcleo de Estudos e Negócios Asiáticos da ESPM

Publicado em VEJA de 7 de março de 2018, edição nº 2572

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