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O efeito Francisco

Demora do papa em admitir envolvimento de bispo com pedofilia indicava que tudo continuaria como antes. Mas a mudança de postura ilumina um fato histórico

Por Adriana Dias Lopes Materia seguir SEGUIR Materia seguir SEGUINDO Atualizado em 4 jun 2024, 17h11 - Publicado em 25 Maio 2018, 06h00
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    Os cinco anos de pontificado de Francisco não deixam dúvida de seu empenho em modernizar a Igreja, de modo a aproximá-la dos fiéis. Ele lidou com temas tabus, historicamente incômodos para a fé católica, como a homossexualidade, o divórcio e os desvios financeiros cometidos dentro do próprio Vaticano. O papa atacou todos esses pontos assim que ocupou o lugar de Bento XVI no trono de Pedro. Num capítulo, contudo, ele foi cuidadoso, talvez até demais: o das acusações de pedofilia praticada por clérigos, esse segredo de polichinelo dos homens de batina.

    Em janeiro deste ano, numa viagem ao Chile, Francisco chegou a pedir desculpas publicamente pelos crimes sexuais cometidos por padres chilenos e recomendou empenho para “que os casos não voltem a se repetir”. No entanto, defendeu o bispo Juan Barros, prelado da ci­dade de Osorno, a 900 quilômetros de Santiago, que acobertara crimes sexuais contra meninos praticados por um padre da paróquia local nos anos 1980 e 1990. Ao ser questionado por um jornalista, o pontífice respondeu: “No dia em que me trouxerem uma prova contra o bispo Barros, então eu falarei. Não há uma única prova contra ele. É tudo calúnia. Está claro?”. Mas logo depois mandaria abrir uma investigação profunda sobre o bispo e pediu pressa.

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    Em menos de três meses, o pontífice recebeu um relatório com 2 300 páginas baseado em 64 entrevistas. O documento levou Francisco a publicar, em 8 de abril, uma carta oficial sobre a situação num tom jamais visto em documentos de seus antecessores. Fez um mea-culpa sem tergiversações: “Agora, depois de uma atenta leitura dos atos desta missão especial, penso poder afirmar que todos os testemunhos recolhidos falam com modéstias, sem aditivos nem lenitivos, de muitas vidas crucificadas, e confesso-vos que isto me causa dor e vergonha”. Na sexta-feira 18, todos os 34 bispos do Chile renunciaram a seus cargos, num gesto com forte simbolismo. A renúncia coletiva, naturalmente, não impede a pedofilia nem pune pecados do passado, mas imprime uma abordagem nova aos abusos, que violam aberta e frontalmente os princípios cristãos.

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    Uma das vítimas do padre pedófilo protegido por seu superior, o jornalista Juan Carlos Cruz, chegou a ser recebido por Francisco. No encontro, segundo relato de Cruz ao jornal El País, o papa lhe teria dito o seguinte: “O fato de você ser gay não importa. Deus o fez assim e o ama”. É uma extraordinária preocupação com a tolerância. Um indício, também, de que o abuso é intolerável. A nova postura do Vaticano não fará mover montanhas, mas ajuda a pôr no centro das discussões um tema incômodo, a respeito do qual, até hoje, as respostas mais recorrentes foram a displicência ou o excesso de zelo. Estima-se que, todos os anos, desembarquem em Roma denúncias de pelo menos 300 casos de abusos sexuais, majoritariamente contra menores de idade, praticados por padres. No entanto, apenas 10% dos criminosos foram punidos com a expulsão da Igreja e outros 10% saíram por iniciativa própria. Bento XVI foi o primeiro a adotar regras mais rigorosas. Em 2010, o papa alemão incluiu leigos nos tribunais eclesiásticos que julgariam os casos de abusos.

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    Funcionou? As acusações se multiplicaram, e ficou por isso mesmo, ainda que Bento XVI tenha dito que jamais concederia o perdão a um sacerdote pedófilo. Francisco parece estar se aproximando de maneira mais realista da chaga. Diz o experiente vaticanista inglês Christopher Lamb, do portal católico The Tablet: “Francisco não está transformando o ensino da Igreja, mas mudando suas atitudes práticas, algo que tem faltado ao longo dos anos”. Se a cortina não for aberta, se não houver condenações, a inércia fará tudo voltar ao ponto em que se está, de olhos fechados para denúncias como as de outro jornalista chileno, Eneas Espinoza, que, na infância, foi abusado sexualmente sucessivas vezes pelos padres da escola católica em que estudava. O depoimento exclusivo de Espinoza a VEJA está nas páginas seguintes.

    Publicado em VEJA de 30 de maio de 2018, edição nº 2584

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