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O drama da nova onda migratória causada pela pandemia e pela guerra

Mundo vê a escalada do desespero de gente encurralada pela falta de perspectiva, tragédia que causa mais mortes que nunca

Por Amanda Péchy 17 jul 2022, 08h00

O cenário em San Antonio, no Texas, era de filme de terror quando, em junho, em um verão especialmente quente no Hemisfério Norte, uma trilha de corpos ao longo de vários quarteirões levou a polícia e curiosos até um caminhão de carga, onde cinquenta imigrantes foram encontrados mortos e outros dezesseis estavam por um fio, exaustos, desidratados e com insolação. Muitos cheiravam a tempero de carne, tentativa dos contrabandistas de encobrir o odor da “mercadoria” transportada do México para os Estados Unidos. Foi, segundo o xerife William McManus, o registro de tráfico humano mais mortal na cidade. Não se trata, infelizmente, de uma tragédia isolada. O caminhão de cadáveres é reflexo de uma escalada do desespero de gente encurralada pela falta de perspectiva.

O braço da ONU que trata de migrações contabiliza 650 mortos ao tentar cruzar a fronteira México-Estados Unidos em 2021, o maior número desde que as fatalidades começaram a ser computadas, em 1998. Do outro lado do Atlântico, a mortandade se repete até no notoriamente traiçoeiro Canal da Mancha: no fim do ano passado, um bote inflável virou e 27 pessoas se afogaram. Pouco depois de a cena macabra se desenrolar em San Antonio, pelo menos outras 37 morreram pisoteadas quando uma cerca de arame foi cortada e 2 000 tentaram atravessar do Marrocos para o enclave espanhol de Melilla. Na mesma semana, o naufrágio de um bote lotado deixou uma grávida morta e trinta desaparecidos no Mar Mediterrâneo, hoje um cemitério de imigrantes dispostos a tudo para chegar à Europa.

CARGA HUMANA - San Antonio, Texas: cinquenta mortos no caminhão -
CARGA HUMANA – San Antonio, Texas: cinquenta mortos no caminhão – (Jordan Vonderhaar/Getty Images/AFP)

Menos gente atualmente se arrisca nessa travessia do que no auge das migrações, em 2015, mas a mortalidade disparou — resultado das dificuldades econômicas e humanitárias exacerbadas por dois anos de pandemia e intensificadas pelos efeitos da guerra na Ucrânia. “A invasão russa e a interrupção da exportação de grãos aumentaram o desalento e provocaram o deslocamento de milhões de pessoas”, diz Jeff Crisp, pesquisador da Chatham House, think tank de assuntos internacionais. A alta dos preços de alimentos e energia colocará 15% da população da América Latina e Caribe na extrema pobreza neste ano (eram 13,8% em 2021). Na África, grandemente dependente dos grãos ucranianos e russos, os preços do trigo e de outros cereais dispararam 60%.

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Sem meios de subsistência, as pessoas têm aceitado condições cada vez mais arriscadas de deslocamento. Além disso, a intensificação dos controles de fronteira para evitar a disseminação do novo coronavírus fez com que as rotas mais conhecidas (e seguras) se tornassem mais vigiadas, tanto na Europa quanto nos Estados Unidos. As patrulhas americanas adotaram a prática de mandar de volta para o México todos os ilegais, tivessem ou não motivos para refúgio, a movimentada passagem da Turquia até as ilhas gregas pelo Mar Egeu foi sumariamente bloqueada e a União Europeia militarizou a guarda das fronteiras. “Tudo isso faz com que os imigrantes apelem para viagens mais perigosas”, diz a historiadora Stacy Fahrenthold, do Centro de Imigração Global da Universidade da Califórnia. Para ela, “enquanto a imigração for tratada como uma guerra, pilhas de corpos como a do Texas não serão a exceção, e sim a regra”. Um futuro sinistro para tantos que arriscam tudo por uma vida melhor.

Publicado em VEJA de 20 de julho de 2022, edição nº 2798

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