O delivery da propina
Transportadora que entregou dinheiro a Yunes também trabalhou para Cabral, Ciro Nogueira e Gleisi Hoffmann — e destruía planilhas para não deixar rastro
Se os doleiros da Lava-Jato funcionavam como banco paralelo da corrupção, uma única transportadora de valores é hoje considerada pelo Ministério Público Federal o “caixa eletrônico” da propina. A empresa, que em São Paulo operava como Transnacional e no Rio de Janeiro sob o nome de TransExpert, é acusada pelo MP de ter feito entregas de dinheiro às campanhas do senador Ciro Nogueira (PP), do ex-governador Sérgio Cabral (MDB) e, como se descobriu recentemente, do presidente Michel Temer (MDB), por meio de seu amigo José Yunes. Dois ex-motoristas da empresa depuseram à Polícia Federal e relataram ter ido ao escritório de Yunes, em São Paulo, para entregar envelopes com dinheiro vivo. O nome da companhia também foi encontrado nos registros da portaria do escritório do marqueteiro da senadora Gleisi Hoffmann (PT).
O dono da firma é o policial civil aposentado David Augusto da Câmara Sampaio, que jamais constou da lista de sócios, mas sempre mandou no negócio, segundo procuradores que investigam o caso no Rio. Sampaio foi preso junto com o empresário Jacob Barata em julho de 2017, depois que seu nome foi encontrado em mensagens que combinavam a entrega de propina ao ex-governador Sérgio Cabral. Foi solto no mês seguinte por decisão do ministro Gilmar Mendes.
O depoimento de um terceiro motorista, Geraldo Oliveira, no inquérito que investiga o senador Ciro Nogueira, relata o modus operandi da empresa: as entregas a “clientes vips” saíam em carros-fortes, mas eram transferidas para veículos convencionais blindados, para não chamar atenção. Ao chegar ao endereço, o entregador ouvia uma senha dos destinatários. Feita a entrega, as planilhas com o endereço e o nome dos contatos deviam ser destruídas, a fim de não deixar nenhuma prova da operação. Oliveira contou ter ido buscar remessas no prédio da Odebrecht e feito entregas a um assessor de Ciro Nogueira, Lourival Nery Júnior. Em 2015, com a Lava-Jato nas ruas, a transportadora faliu. Quase toda a sua frota foi roubada em São Paulo e um incêndio devastador atingiu seu prédio no Rio, incinerando 130 milhões de reais. Por suspeitar de tramoia, a seguradora se negou a ressarcir a empresa. Um inquérito sigiloso apura se a dinheirama, de fato, virou pó.
Publicado em VEJA de 23 de maio de 2018, edição nº 2583