“Óculos de computador”, “óculos para dormir”, “óculos bloqueadores da luz azul”. Essas são algumas das promessas de atributos das lentes que têm feito bonito entre celebridades americanas e europeias. No Brasil, a moda também já está chegando para os comuns dos mortais. Nas duas maiores redes de ótica do país, o aumento nas vendas de lentes que filtram a luz azul foi de cerca de 15% em relação ao ano passado. “Viciada nesses óculos para luz azul”, postou recentemente a blogueira e influenciadora digital Camila Coelho, 30 anos, com 7,4 milhões de seguidores no Instagram. Eles são produzidos, na maioria dos casos, com vidros na cor âmbar (laranja-amarelado) ou vermelha.
A boa notícia, para além da estética chamativa: eles funcionam, ao bloquear a luminosidade dos celulares, tablets, computadores e laptops. A luz azul afeta a qualidade do sono. A retina possui células chamadas ganglionares, um tipo de neurônio fotossensível que influi no relógio biológico do organismo — aquele que determina o sono e o estado de alerta. A luz, nesse sistema natural do organismo, entra pelas células ganglionares e age na região cerebral chamada glândula pineal, reduzindo a produção do hormônio do sono, a melatonina. Os neurônios ganglionares são sensíveis a qualquer iluminação — ultravioleta, amarela, verde. Mas, sobretudo, à luz azul.
O azul é, portanto, a principal fonte luminosa responsável por avisar ao corpo que é hora de acordar. Diz o oftalmologista Max Damico, do Hospital Sírio-Libanês, em São Paulo: “As pessoas deveriam deixar de lado os aparelhos eletrônicos ao menos duas horas antes de dormir”. Como é hábito difícil de abandonar, deu-se o fenômeno dos óculos coloridos. Estudo publicado na revista Ophthalmic & Physiological Optics mostrou que aqueles que utilizaram as lentes âmbar três horas antes de dormir, ao longo de duas semanas, apresentaram aumento de 58% na produção de melatonina. Dormiram mais rápida e profundamente.
Há, como sempre, boa dose de exagero em relação aos danos provocados pelos equipamentos eletrônicos. É sabido que atrapalham o sono, mas não muito mais que isso. Alguns modelos de lente são vendidos com o apelo de evitar doenças graves, como a degeneração macular. A luz azul emitida por eletrônicos não tem essa capacidade comprovada. “O que pode afetar os olhos, ressecando-os, é o ato de olharmos fixamente sem piscar e por muito tempo para esses aparelhos”, diz Paulo Schor, professor de oftalmologia e ciências visuais da Escola Paulista de Medicina. “Ainda assim, é possível evitar o problema, fazendo intervalos na leitura a cada vinte minutos e, durante esse tempo, focando um objeto distante ao longo de vinte segundos.” Trata-se de um bom conselho para quem acha as lentes amarelas e vermelhas feiosas. Com todo o respeito a Brad Pitt.
Publicado em VEJA de 12 de setembro de 2018, edição nº 2599