Por que venezuelanos foram expulsos violentamente da cidade no sábado 18? Foi um caso claro de xenofobia, no qual todos falhamos: Estado, população e Igreja. Uma das causas foi não termos escutado o grito de revolta da população local. O hospital ficou lotado, assaltos viraram rotina em um município antes pacato. O governo viu o colapso instalar-se sem tomar nenhuma atitude, então a população deixou florescer o sentimento de raiva. E a Igreja acolheu os venezuelanos sem perceber que o morador local também precisava de ajuda.
Como se deu o aumento da xenofobia? Há mais de dez anos, houve uma briga pela demarcação de terras dos índios da tribo macuxi (na reserva Raposa Serra do Sol). Detestar índios é uma variante da xenofobia, com a diferença de que eles viviam aqui antes. Desde então, tudo estava calmo, até o chavismo obrigar os venezuelanos a fugir — pois nenhum deles veio ao Brasil para fazer turismo. O processo de raiva contra os vizinhos foi gradativo. Há cinco anos, vieram os venezuelanos com um pouco de condição financeira. O preço do aluguel na cidade subiu e os mercados ficaram lotados. De um ano para cá, chegaram em peso os mais necessitados — sobretudo procedentes da região de Tucupi, a centenas de quilômetros de Pacaraima. Eles passaram a dormir nas ruas, e a prostituição de menores e os assaltos começaram. Foi o ambiente perfeito para aflorar a xenofobia, alimentada pelos políticos.
E como os políticos alimentam a xenofobia? Os políticos não cuidam dos brasileiros nem dos venezuelanos, mas decidiram culpar os migrantes pelo colapso da saúde e assistência social. Ganham votos quando apontam para um único responsável por todos os problemas. No dia seguinte ao do ataque, a governadora Suely Campos (PP), de Roraima, chegou aqui com uma pose parecida com a dos imperadores romanos retratados em filmes, quando na cena final se orgulham por ter derrotado determinado povo. Ela nunca escutou os apelos que fizemos, mas veio à cidade para ganhar votos e tentar se reeleger.
Os venezuelanos já retornaram? Dois dias após a expulsão, 500 venezuelanos estavam à porta da minha igreja. Sabe por quê? A fome é maior que o medo. A fome é tão grande que muitos andam centenas de quilômetros a pé para ter um futuro. Hoje, já voltei a servir 1 700 cafés da manhã por dia. Tem gente na cidade que me ameaça por acolhê-los. Vejo isso como uma medalha. Ser cristão é ajudar o próximo, não apenas ir à missa.
Publicado em VEJA de 5 de setembro de 2018, edição nº 2598