Na semana em que o Brasil — e o Congresso — digeria a delação premiada do empresário Joesley Batista, a medida provisória 756 foi aprovada em regime de urgência no Senado. A MP diminuía a área preservada da Floresta Nacional do Jamanxim, no Pará, em 486 000 hectares — uma imensidão equivalente a quatro vezes a área da cidade do Rio de Janeiro. Diante do pandemônio instaurado pelos irmãos Batista, porém, o texto passou sem alarde. Só veio a chamar atenção um mês depois, em junho, quando a modelo Gisele Bündchen, reproduzindo um pedido da ONG WWF, cobrou de Temer o veto à MP. “É nosso trabalho proteger nossa Mãe Terra”, escreveu ela em sua conta no Twitter. “Michel Temer, diga NÃO à redução da proteção na Amazônia!” (Jamanxim integra a área da Amazônia Legal).
O apelo da modelo foi atendido em tempo recorde. Em menos de uma semana, Michel Temer, também pelo Twitter, dirigiu-se nominalmente a ela e à WWF para anunciar: “Vetei hoje integralmente todos os itens das MPs que diminuíam a área preservada da Amazônia”. Jamanxim, portanto, havia escapado da foice. Só que a convicção ambiental do presidente teve vida curta. Menos de um mês depois do veto, o governo enviou ao Congresso um projeto de lei que reduz a área preservada de Jamanxim em 349 000 hectares.
Jamanxim tem 1,3 milhão de hectares. No jargão ambiental, é uma reserva. Isso significa que qualquer tipo de ocupação ou exploração em seu território é crime. O projeto de lei do governo prevê a transformação dos 349 000 hectares da floresta em área de proteção ambiental (APA), categoria com um grau mais baixo de preservação, já que permite a instalação de propriedade privada e atividades rurais e de mineração. Mais do que abrir as portas da reserva ao agronegócio, o projeto, da forma como está redigido, acaba por anistiar grileiros e posseiros que operam ilegalmente na região (outra proposta em discussão na Casa Civil é criar, depois da APA, um tipo de “refis” para que eles regularizem a situação de suas terras com a Receita Federal). Críticos afirmam que a medida premia com impunidade os responsáveis pelo desmatamento e pela grilagem promovidos até agora.
O ministro do Meio Ambiente, Sarney Filho, nega que seja verdade. Para ele, a regularização das terras griladas é uma forma de reduzir conflitos na região — uma das mais conflagradas do país. Não é o que pensa o Instituto Chico Mendes de Conservação da Biodiversidade (ICMBio), órgão ambiental ligado ao próprio ministério, que já havia se posicionado contra qualquer mudança na área preservada da floresta por ocasião do veto da MP. Segundo o órgão, a iniciativa afronta o Acordo de Paris, do qual o Brasil é signatário.
A bancada ambientalista da Câmara dos Deputados desconfia que o fato de o presidente ter mudado de ideia sobre Jamanxim guarda íntima relação com a votação que se dará no Congresso nesta quarta-feira, 2 de agosto, quando os deputados vão decidir se aceitam a denúncia de corrupção contra Temer. A bancada do agronegócio, a principal interessada no rebaixamento do território de Jamanxim de reserva para APA, é composta de 211 deputados, que estrilaram ruidosamente quando Gisele Bündchen pediu — e achou que tivesse levado — o veto à MP original. Será que Temer mandará um novo tuíte presidencial para Gisele explicando a mudança?
Publicado em VEJA de 2 de agosto de 2017, edição nº 2541