Era para ser uma barbada. Pelo roteiro traçado no Palácio do Planalto, um deputado aliado seria escalado na Comissão de Constituição e Justiça (CCJ) para relatar a denúncia que acusa o presidente Michel Temer de corrupção passiva — e tudo estaria resolvido. O escolhido faria um parecer contrário à aceitação da acusação e pediria o arquivamento do caso. Formado por ampla maioria governista, o plenário da Casa seguiria a recomendação da CCJ e não autorizaria o Supremo Tribunal Federal (STF) a abrir processo contra Temer. Toda a operação seria realizada rapidamente para evitar que “fatos novos” atrapalhassem a luta de Temer para se manter no cargo. Quase tudo fugiu ao script já na largada.
Um “fato novo” foi a prisão do ex-ministro Geddel Vieira Lima, na segunda-feira 3. No dia seguinte, o presidente da CCJ, Rodrigo Pacheco (PMDB-MG), designou como relator o deputado Sergio Zveiter, que, apesar de ser do PMDB do Rio de Janeiro, é considerado independente. Preterido por Temer para o cargo de ministro da Justiça, Pacheco também decidiu que todos os integrantes da CCJ, 66 titulares e 66 suplentes, terão direito a falar antes de votar. Parece irrelevante, mas não é.
Quanto mais demorada a tramitação da denúncia, maior o risco de já se ter a delação do ex-deputado Eduardo Cunha, que trará Temer como personagem central. Como vive a repetir Lúcio Funaro, operador de Cunha e candidato a delator: “O Cunha derruba o Temer em cinco minutos”. Responsável pelo primeiro passo na tramitação na CCJ, o relator Zveiter é amigo e aliado de Rodrigo Maia. Advogado, Zveiter tende a construir seu parecer a partir da tensão entre o princípio da presunção da inocência e o direito de a sociedade saber se o presidente de fato cometeu um crime. Como o julgamento no Congresso é essencialmente político, não será surpresa se Zveiter optar pelo acolhimento da denúncia.
Segundo a Procuradoria-Geral da República (PGR), Temer é o beneficiário final dos 500 000 reais pagos pela JBS ao seu ex-assessor e ex-deputado Rodrigo Rocha Loures. Em defesa de 98 páginas apresentada à CCJ, Temer afirma não haver prova de que o dinheiro chegou às suas mãos e que a PGR criou uma narrativa de ficção para incriminá-lo. Ele também voltou a dizer que a gravação de sua conversa com o empresário Joesley Batista é uma prova ilegal e manipulada, versão já derrubada pelo laudo oficial da Polícia Federal. A peça de acusação foi considerada pela defesa como chocha, capenga, manca e anêmica.
“Não encontrou provas, não as crie mentalmente; não se convenceu da culpa, não se violente acusando a esmo; não possui base para denunciar, não o faça e assim estará ou estaria cumprindo fielmente a sua nobre missão de promover a justiça”, escreveu o advogado Antonio Cláudio Mariz. A defesa jurídica reforça a estratégia usada para garimpar votos no varejão do fisiologismo. O governo pretende trocar dez integrantes da CCJ, a fim de substituir indecisos e recalcitrantes por aliados fiéis. Para tocar fundo na alma das excelências, a equipe econômica liberou 1 bilhão de reais em emendas parlamentares em maio e junho, segundo o site Contas Abertas — e isso apesar do déficit alarmante (veja a reportagem na pág. 56). O valor é 50% maior do que o registrado nos primeiros cinco meses do ano passado. Temer também intensificou a agenda com deputados no Planalto. Até o mensaleiro Valdemar Costa Neto, mandachuva do PR, foi recebido em audiência. VEJA apurou que, até sexta-feira, 21 dos 66 titulares da CCJ eram favoráveis à aceitação da denúncia. Só cinco se manifestaram em sentido contrário. Os demais não declararam voto ou não se posicionaram.
No plenário, Temer precisa da ajuda de apenas 172 dos 513 deputados para impedir que o Supremo seja autorizado a investigá-lo. Para vencer a parada, os oposicionistas contam com traições no PSDB, no DEM e até no próprio PMDB. Impopular, Temer governou até aqui com o Congresso e para o Congresso. O risco — ainda remoto — é o Congresso decidir governar sem ele.
Publicado em VEJA de 12 de julho de 2017, edição nº 2538