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Floresta de recuos

Em uma reviravolta na trama de uma novela cheia de idas e vindas, Temer revoga o decreto que permitiria a exploração mineral no coração da Amazônia

Por Jennifer Ann Thomas Materia seguir SEGUIR Materia seguir SEGUINDO Atualizado em 29 set 2017, 06h01 - Publicado em 29 set 2017, 06h00

A novela sobre a Reserva Nacional de Cobre e Associados (Renca), estrelada pelo governo Temer, teve uma espécie de plot twist, expressão em inglês usada quando um enredo ficcional — de TV, cinema ou literatura — dá uma guinada radical. Em mais um episódio das idas e vindas que vêm caracterizando a esfera federal nos assuntos relacionados ao meio ambiente, o Diário Oficial da União publicou na terça-feira 26 um decreto revogando outro, datado de 28 de agosto, no qual a Renca era extinta. Com quase 47 000 quilômetros quadrados — o equivalente ao tamanho do Espírito Santo —, a reserva, situada entre o Pará e o Amapá, foi criada em 1984, nos estertores do regime militar, com o objetivo de impedir a exploração estrangeira na área, rica em metais, inclusive ouro.

As trapalhadas do governo Temer com a Renca tiveram início em um decreto de 22 de agosto, que anunciava sua extinção. A medida, proposta pelo Ministério de Minas e Energia (MME), alarmou ambientalistas e celebridades como Gisele Bündchen, que inundaram de críticas as redes sociais. O barulho foi tanto que Temer revogou o decreto e apresentou outro, redigido em parceria com o Ministério do Meio Ambiente. Nele, o governo mantinha a extinção da reserva mas esclarecia que a manutenção das terras indígenas e da maior parte das unidades de conservação estava garantida. Não foi suficiente. Um juiz do DF suspendeu o decreto, enquanto o PSOL entrava com uma ação no STF, acatada pelo ministro Gilmar Mendes. O MME divulgou então uma nota em que determinava a paralisação das eventuais atividades de mineração na Renca e prometia apresentar propostas de desenvolvimento sustentável em 120 dias. Agora, com o terceiro decreto sobre o tema, Temer jogou o assunto à estaca zero — vale dizer, de volta a 1984.

Quando ainda estava decidido a extinguir a reserva, o governo alegara que a abertura econômica seria uma forma de controlar o garimpo ilegal na área. Em setembro, o Greenpeace sobrevoou a região e detectou catorze pontos de garimpo e oito pistas de pouso clandestinas. Ou seja: se não há fiscalização enquanto o local está oficialmente “fechado”, como seria se fosse liberado para exploração? A Renca não tem o fim de proteger a floresta, mas, mesmo assim, apenas 1,1% da área da reserva foi desmatada desde o fim da ditadura.

Durante a celeuma provocada pelos dois primeiros decretos, alar­deou-se que, se fossem mantidas as intenções de Temer, todas as reservas ambientais presentes na Renca desapareceriam. Não era verdade. De acordo com as regras das reservas, apenas 21% da área protegida poderia ser minerada. E, ainda assim, desde que as mineradoras atendessem a certas demandas ambientais e sociais. Segundo o advogado especializado em meio ambiente Édis Milaré, professor da PUC-SP, o decreto original não tinha nada de irregular ou ilegal. No entanto, faltou transparência em sua edição — e o governo Temer acabou punido pelo seu passado pouco lisonjeiro em questões ambientais. “Nem todo lícito é honesto. É preciso cuidado com os precedentes, e, infelizmente, no caso, eles não são dos melhores”, disse Milaré.

Publicado em VEJA de 4 de outubro de 2017, edição nº 2550

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