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Está difícil de engolir

Discretos em público, generais se queixam em privado do “uso do Exército” por políticos que disputam entre si o bônus da intervenção mas não assumem ônus

Por Sofia Fernandes Atualizado em 4 jun 2024, 16h49 - Publicado em 2 mar 2018, 06h00
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  • Incumbido desde o dia 21 de tirar o Rio de Janeiro do atual insuportável patamar de criminalidade, o comando do Exército tem duas certezas até agora. A primeira é que a instituição vive o ápice da sua lua de mel com a população — a Força é vista como uma das instituições mais confiáveis do país, e a decisão da intervenção federal na área de segurança do Rio tem a aprovação da maioria retumbante dos brasileiros. A segunda é que essa lua de mel está com os dias contados. Em sua lacônica entrevista de estreia, em Brasília, o interventor nomeado, general Walter Braga Netto, cuidou de reforçar essa impressão.

    A fala curta e grossa do militar durou 23 minutos apenas. E o fato de ele ter ficado devendo resposta a praticamente todas as questões que lhe foram apresentadas não pode ser atribuído só à sua visível impaciência e desconforto no ambiente. Até agora, o Exército não tem a mais pálida ideia dos instrumentos com que poderá contar para montar a estratégia de intervenção. Em outras palavras: não sabe de onde virá o dinheiro para ações fundamentais como, por exemplo, reequipar e treinar as polícias, nem quais serão os limites jurídicos para a atuação das tropas. Permanecem indefinidas as chamadas “regras de engajamento”, que delimitam, entre outras coisas, as situações em que um militar pode atirar contra alguém.

    Os generais consideram que o improviso com que o governo tomou a decisão de intervir no Rio e as indefinições em torno da operação trazem o risco de frustrar em breve as altas expectativas da população — e eles temem ficar com a conta. No comando da instituição, a sensação declarada é que o Exército se encontra no meio de um fogo cruzado em que políticos disputam entre si os bônus da intervenção mas não querem saber de assumir o ônus. Os militares se ressentem, por exemplo, do fato de nenhum político ter vindo a público defender o uso do mandado de busca coletiva nas operações — o comando da instituição considera o instrumento essencial para as ações de busca de criminosos em áreas de alta densidade populacional como as favelas do Rio. “Nessas horas, não surge ninguém para atuar como nosso biombo”, afirma um general, que pede para ficar no anonimato.

    Excesso de lealdade – Segovia ficou 100 dias na direção da PF, mas poderia ter ficado menos
    Excesso de lealdade – Segovia ficou 100 dias na direção da PF, mas poderia ter ficado menos (Givaldo Barbosa/Agência O Globo)

    O Exército, uma instituição a serviço do Estado, receia terminar sendo usado como instrumento a serviço do governo. Ameaça semelhante pairou sobre a instituição em 2016. Às vésperas do impeachment da ex-presidente Dilma, aliados da petista namoraram a ideia de que ela decretasse estado de defesa, de modo a pôr o Exército nas ruas para impedir as manifestações que ocorriam contra o governo. Tanto o comandante da Força, Eduardo Villas Bôas, quanto o ministro da Defesa à época, Aldo Rebelo, rechaçaram a ideia.

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    Por enquanto, as boas notícias para o Exército chegaram apenas por via indireta. Raul Jungmann, até a semana passada ministro da Defesa e agora titular do recém-criado Ministério Extraordinário da Segurança Pública, anunciou que vai usar o orçamento de 2,7 bilhões de reais da pasta para criar novos cargos na Polícia Federal e na Polícia Rodoviária Federal e equipá-las. Ambas estão agora sob a responsabilidade do seu ministério. O Exército responde ao Ministério da Defesa (interinamente a cargo do general Joaquim Silva e Luna), cujo orçamento, de 92 bilhões de reais, já está plenamente comprometido e não poderá ser usado na intervenção. Como responsável pela coordenação da integração dos serviços de segurança, no entanto, Jungmann fatalmente acabará por dar suporte ao plano de ação de Braga Netto — por sua vez, diretamente responsável pelas polícias militar e civil e pelo Corpo de Bombeiros do Estado do Rio.

    O ministro Jungmann envolveu-se com o tema da segurança pública no início dos anos 2000. Como deputado pelo PPS, comandou comissões parlamentares que tratavam do assunto. Em 2005, chefiou a Frente Parlamentar Brasil sem Armas. Na eleição de 2014, tentou reeleger-se deputado federal por seu estado, Pernambuco, mas foi suplente. Sua proximidade com militares e a participação do seu partido na defesa do impeachment da ex-presidente Dilma Rousseff garantiram-lhe a pasta da Defesa.

    Na semana passada, sua primeira ação ao assumir o Ministério da Segurança foi demitir o diretor-geral da Polícia Federal. O delegado Fernando Segovia ficou 100 dias no cargo, mas poderia ter ficado ainda menos. Pinçado pelo Planalto do último lugar de uma lista de nove indicados para o cargo, Segovia deu tantas e tão desbragadas demonstrações de lealdade ao presidente Michel Temer, investigado em inquérito da Polícia Federal, que, aos olhos do próprio Planalto, se tornou um embaraço em vez de um conveniente aliado. Segovia caiu para cima — ganhará o posto de adido da Polícia Federal na Itália. Seu sucessor, o delegado Rogério Galloro, era o preferido da corporação para ocupar o posto por ocasião da escolha do agora ex-diretor. Com a decisão de intervir no Rio e investir em segurança, o governo Temer escolheu sua nova bandeira. A pergunta agora é se conseguirá responder às angústias dos militares e encontrar um mastro em que hasteá-la.

    Publicado em VEJA de 7 de março de 2018, edição nº 2572

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