Próximo do pico de casos e mortes em decorrência do novo coronavírus, o Brasil chega mais perto de uma realidade que há dois meses, desde a eclosão do surto, batia à porta, e que agora ganha contornos preocupantes, de duríssima realidade — a capacidade do sistema público de saúde de absorver as internações dos infectados pela Covid-19. Em algumas das principais cidades do país, as taxas de ocupação dos leitos em UTIs fazem acender o sinal amarelo, a segundos de piscar o vermelho. Em Natal, a lotação já é máxima, de 100%. No Rio de Janeiro, passou de 92%. Em Manaus, é de 95%. Em São Paulo, 85%. São apenas exemplos de uma situação que se espalha pelo Brasil, interior afora, assustadoramente. Há o que fazer? Sim, embora as carências não sejam de hoje, e muito dificilmente será possível recuperar décadas perdidas de má gestão nos investimentos em saúde. Um modo é aumentar a capacidade dos hospitais de campanha. Outro, emergencial, seria a instalação da chamada “fila única”, cujo projeto de lei tramita no Congresso, que autorizaria a intervenção do Estado na requisição de espaço em instituições privadas.
Ressalve-se, contudo, que o cenário poderia ser ainda pior, não fosse a capilaridade do Sistema Único de Saúde, o SUS, um dos acertos da Constituição de 1988, inspirado no National Health Service (NHS), o serviço nacional de saúde dos britânicos. O primeiro-ministro Boris Johnson, ao curar-se da Covid-19, louvou os méritos do NHS. Na cerimônia de abertura da Olimpíada de Londres, em 2012, a organização foi lindamente homenageada. Aqui no Brasil, o ex-ministro da Saúde Luiz Henrique Mandetta circulava com colete do SUS — algo que o novo titular da pasta, Nelson Teich, não faz. “Ainda bem que existe o SUS”, disse Mandetta, repetidas vezes. Sim, ainda bem que existe o SUS, mas a agressividade do surto pode vencê-lo, acrescentando nomes e dramas à tragédia.
A reportagem de VEJA mergulhou no cotidiano de duas capitais onde a Covid-19 tem cravado as maiores taxas de mortalidade: Manaus e Rio de Janeiro. A repórter Jennifer Ann Thomas e o repórter fotográfico Jonne Roriz passaram uma semana na capital do Amazonas dentro de hospitais, ouvindo pessoas que nem sequer chegam aos prontos-socorros por medo de encarar uma engrenagem sabidamente esgarçada. “Alguns disseram não procurar ajuda porque temem piorar no hospital. Muitos acabam morrendo em casa mesmo”, relata Jennifer, que ainda foi ao cemitério onde os enterros agora são feitos em insólita escala — a cada cinco mortos, há um breve rito coletivo. No Rio, a editora Sofia Cerqueira e o repórter Cássio Bruno percorreram mais de dez hospitais, nos quais os profissionais reclamam de falta de equipamentos e pacientes dão com a cara na porta pela falta de vagas. “A circunstância é tão dramática que há quem passe mal na fila da emergência, sem ajuda”, conta Sofia. São sinais evidentes de que o respeito ao isolamento social, especialmente neste momento, é crucial para evitar que mais e mais vidas sejam ceifadas pela pandemia. Falta pouco. Fique em casa.
Publicado em VEJA de 20 de maio de 2020, edição nº 2687