Poucos hábitos se tornaram tão emblemáticos de nossos tempos como a navegação pelas redes sociais. Para muitos, o dia não começa sem uma conferida nas postagens do Twitter, uma passada pelo Facebook, uma checada nas curtidas do Instagram e a visualização de um vídeo no YouTube. Ao longo das horas, os acessos vão se sucedendo para terminar com o celular depositado ao lado da cama, muitas vezes de madrugada. Empresas como Facebook, Twitter, Alphabet (a companhia-mãe do Google e do YouTube), entre outras, se tornaram colossos comerciais com sua fenomenal capacidade de hipnotizar internautas de todas as idades, que simplesmente não conseguem viver sem clicar e deslizar os dedos nas telinhas dos smartphones, a intervalos de tempo cada vez mais reduzidos.
Se no nascedouro o forte de tais empresas eram as possibilidades quase infinitas de conexão e interação entre as pessoas, hoje elas ganham dinheiro (em quantidades estrondosas) com sua habilidade de entregar anúncios, produtos e serviços com a mais absoluta precisão. Isso porque usam justamente os dados coletados provenientes da navegação de usuários para entender o que eles fazem, desejam, temem e rejeitam. Tudo a partir da crescente sofisticação com que os algoritmos são capazes de prever comportamentos e, como consequência, influenciá-los. Em meio a prosaicas conversas com amigos e parentes e alguns temas interessantes, fomentam-se também boatos, padrões de beleza e estilo de vida inatingíveis, fake news, discursos de ódio e teorias delirantes como terraplanismo. Dessa cacofonia brotam fenômenos como a eleição do presidente americano Donald Trump, a saída do Reino Unido da União Europeia (o Brexit) e a ascensão de Jair Bolsonaro ao poder no Brasil, todos fortemente enraizados nas redes sociais.
A discussão da influência das redes em nossa vida tem sido alvo de livros, filmes, conferências e até convocações para esclarecimentos no Congresso americano. Entretanto, o debate alcançou um patamar inédito com a estreia do documentário O Dilema das Redes na plataforma de streaming Netflix, há duas semanas. Por meio de uma sucessão de depoimentos de ex-funcionários de empresas como Google, Instagram, Pinterest e Twitter, entre outras, revelam-se em detalhes as estratégias para manter as pessoas cada vez mais conectadas às redes sociais. São mostrados, por exemplo, os recursos emprestados da psicologia e da neurociência para o desenvolvimento das interfaces entre a plataforma e o usuário e a forma como as empresas se valem dos dados de navegação. A partir da página 60 desta edição, VEJA traz uma reportagem sobre o filme e entrevistas exclusivas com o diretor Jeff Orlowski e o designer Tristan Harris, ex-funcionário do Google e um dos principais personagens na produção. Cabe ressaltar que as redes sociais são parte inseparável da vida moderna e trouxeram grandes benefícios desde que surgiram. Mas é impossível fugir da questão sobre o lado nefasto que exercem na vida de bilhões de pessoas em todo o planeta.
Publicado em VEJA de 30 de setembro de 2020, edição nº 2706