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Carta ao Leitor: O circo da Justiça

As cenas ocorridas na semana passada são preocupantes. Elas demonstram a bagunça e a confusão em que se encontra o pedaço mais visível do nosso Judiciário

Por Da Redação Atualizado em 5 out 2018, 07h00 - Publicado em 5 out 2018, 07h00

Das muitas tentações totalitárias, a mais evidente é a demonização da Justiça. Autocratas, ditadores e populistas demagogos têm uma inclinação universal a atacar tribunais e juízes com o objetivo, nem sempre oculto, de restringir-lhes a liberdade. Nos países em que essa estirpe autoritária assumiu o poder, a violência contra a Justiça, inclusive através do expurgo de magistrados, como aconteceu na Polônia ou na Venezuela, é invariavelmente uma medida preferencial. Por isso, as cenas ocorridas na Justiça brasileira na semana passada são preocupantes. Elas demonstram a bagunça e a confusão em que se encontra o pedaço mais visível do nosso Judiciário — e isso serve como estímulo para quem flerta com as ideias antidemocráticas de manietar as cortes.

No Supremo Tribunal Federal, um pedido para entrevistar o presidiário Luiz Inácio Lula da Silva, apresentado pelo jornal Folha de S.Paulo, gerou um desentendimento patético entre os magistrados. Primeiro, o ministro Ricardo Lewandowski autorizou Lula a dar a entrevista. Em seguida, seu colega Luiz Fux, provocado por um partido político, derrubou a autorização de Lewandowski. Contrariado, Lewandowski reagiu à decisão de Fux e reafirmou sua autorização original, até que o presidente do STF, o ministro Antonio Dias Toffoli, entrou no jogo e restabeleceu a proibição. Em questão de dias, o STF mandou à sociedade a mensagem de que “pode”, “não pode”, “pode, sim”, “não pode, não”.

Sem avaliar o mérito jurídico das decisões — e há vasto campo para tanto —, é patente que algo está errado quando um tribunal, sobretudo o tribunal de mais alto gabarito do país, exibe tamanha disfuncionalidade com uma saraivada de decisões contrárias. Tudo faz crer que a disputa de decisões é fruto não das convicções jurídicas de cada parte, mas sim de suas convicções ideológicas. Mau sinal.

Na segunda-feira, outro lance indesejável aconteceu na 13ª Vara da Justiça Federal quando o juiz Sergio Moro resolveu divulgar parte da delação do ex-ministro Antonio Palocci, preso há dois anos. O depoimento de Palocci, que traz detalhes da monumental roubalheira na Petrobras pelo PT e adjacências criminosas, fora tomado em abril, estava de posse do juiz Moro desde junho e foi divulgado apenas agora, seis dias antes da eleição, deixando dúvidas sobre as razões de fazê-lo neste momento. À Justiça, cabe comportar-se com tal neutralidade que nunca se questionem suas motivações.

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Não é a primeira vez que, estando Lula no centro de um confronto judicial, os tribunais se enrolam em decisões contraditórias. O país ainda lembra o espetáculo desalentador oferecido pelo Tribunal Regional Federal da 4ª Região, com sede em Porto Alegre, que prendeu e soltou Lula algumas vezes durante um único dia, enquanto os desembargadores se confrontavam com decisões divergentes.

É o tipo de salseiro que vitamina as tentações totalitárias, pois joga o Judiciário no descrédito. É mais do que mera coincidência que o ex-ministro José Dirceu, condenado a quase quarenta anos de prisão e na iminência de voltar à cadeia, tenha defendido publicamente a redução dos poderes do Ministério Público, proposta que conta com a simpatia do PT. Antes, Jair Bolsonaro, o líder nas pesquisas, já havia dito que pretendia, se eleito, aumentar o número de ministros do STF, uma forma de enquadrar a Justiça nos moldes do que ele considera correto. Como se vê, nos extremos da direita e da esquerda, a tentação de empacotar a Justiça está à solta — e fica mais desinibida quando os juízes provocam ruídos e promovem confusões des­moralizadoras.

Publicado em VEJA de 10 de outubro de 2018, edição nº 2603

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