Nascido em Mimoso, em Mato Grosso, o sertanista Cândido Mariano da Silva Rondon realizou nas primeiras décadas do século XX o épico trabalho de apresentar aos brasileiros um Brasil pouco conhecido. A instalação das estações de telégrafos na Amazônia tinha como objetivo pavimentar um tipo de ocupação na qual a chegada do progresso estava condicionada ao respeito aos indígenas e ao meio ambiente. Brilhante e vanguardista, a filosofia do Marechal Rondon deveria ser seguida como mantra por todos aqueles que exploram a região. Lamentavelmente, não é o que ocorre. Grileiros e alguns fazendeiros inescrupulosos avançam com apetite enorme sobre a mata usando brechas da lei, aproveitando-se das fragilidades de fiscalização, ainda mais precária em tempos de governo Bolsonaro, que tem demonstrado até aqui um descaso inexplicável com um assunto de tamanha importância. Não por acaso, o Brasil vivencia números recordes de desmatamento e, como reflexo direto disso, colhe uma reprovação constrangedora perante a comunidade internacional. O problema, evidentemente, não gera apenas estragos de imagem. Em um mundo no qual há uma crescente e justa preocupação com o tema, consumidores e investidores vêm exigindo de governos e empresas responsabilidade com a preservação ambiental. Hoje, toda a cadeia de fornecedores de matérias-primas dos países produtores é analisada com lupa — não por ONGs ou grupos de esquerda, mas por gigantes do mundo das finanças. Como resultado disso, grandes companhias têm se afastado da soja e do gado obtidos em áreas desmatadas, em um movimento exponencial e sem retorno. Com o desmatamento ganham apenas os que agem à margem da lei à custa da destruição de um patrimônio mundial, com enorme prejuízo para o Brasil e para a porção majoritária do agronegócio do país, que atua com seriedade e vê com preocupação essa situação.
O fenômeno da destruição da Amazônia vem sempre acompanhado de números retumbantes, mas raríssimas vezes se revelam os nomes e engrenagens por trás desse crime. Em um trabalho meticuloso, Edoardo Ghirotto e Eduardo Gonçalves, dois talentosos jornalistas de VEJA, cruzaram dados para jogar luzes sobre o problema e, com base nas multas aplicadas pelo Ibama entre agosto de 2019 e julho de 2020, conseguiram elaborar um ranking com os dez maiores desmatadores do bioma. A partir dessa lista, realizaram uma série de entrevistas para entender quem são essas pessoas e quais os mecanismos que permitem a elas agir impunemente. Enquanto Gonçalves se debruçava em Cuiabá nos processos ambientais e falava com especialistas no assunto, Ghirotto se deslocou com o fotógrafo Caio Guatelli para a cidade de Paranatinga, no interior de Mato Grosso, município que concentra os principais casos e fica a 369 quilômetros de Mimoso, onde nasceu o Marechal Rondon — e a léguas e léguas de distância do espírito com que ele desbravou a Amazônia. O resultado do trabalho dos jornalistas de VEJA pode ser conferido na reportagem que começa na pág. 26.
Publicado em VEJA de 5 de agosto de 2020, edição nº 2698