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A reportagem de VEJA que vem a seguir só pôde ser publicada graças a um despacho do juiz Carlos Alberto de Salles, da 5ª Vara Cível, em São Paulo. Na quinta-feira 17, o magistrado publicou o indeferimento da ação de tutela cautelar movida por Henry Maksoud Neto para impedir a divulgação desta matéria. “A pretensão é manifestamente inconstitucional. A liberdade de imprensa é consagrada pelo artigo 220 da Constituição Federal, sendo certo que é vedada qualquer forma de censura, sobretudo de natureza prévia”, escreveu o juiz. Maksoud Neto recorreu da decisão no Tribunal de Justiça, mas voltou a perder.
A história a que Maksoud Neto não queria que os leitores de VEJA tivessem acesso começa nos anos 1960 e 1970. Nessa época, a família Maksoud ergueu um império a partir da empresa de engenharia Hidroservice, responsável por obras vultosas como a usina de Itaipu, no Paraná, e o Aeroporto Internacional Tom Jobim, no Rio de Janeiro. Com o tempo, o grupo passou a investir em outros setores, como o de comunicação — foram donos de uma revista semanal de informações, Visão, que fechou as portas nos anos 90. Mas a joia da coroa sempre foi o Maksoud Plaza, inaugurado em 1979 na região da Avenida Paulista, em São Paulo.
O hotel foi um símbolo incontestável de luxo e sofisticação nos anos 1980 e 1990. Sua roupa de cama era de algodão egípcio, num tempo em que apenas caríssimos endereços de Nova York e Paris punham seus hóspedes para deitar com tanto conforto. No apogeu, o hotel tinha cinco restaurantes, três bares e uma boate, o mítico 150 Night Club. A programação era estreladíssima. Frank Sinatra fez uma temporada de quatro shows, pelo cachê de 1 milhão de dólares. Mas tudo começou a ruir com a morte do patriarca, Henry Maksoud, em 2014, que era um simpático e elegante senhor de origem libanesa. Sua morte deflagrou uma guerra familiar pelo patrimônio de 500 milhões de reais.
Roberto e Claudio, filhos de Henry Maksoud, com o apoio da mãe, Ilde, uniram-se contra Henry Neto (filho de Roberto) e Georgina Bizerra, a segunda mulher do patriarca. Os filhos, herdeiros diretos, querem tirar Neto e Georgina da administração do hotel, que ainda hoje funciona, embora de modo decadente. Eles alegam que Henry Maksoud, debilitado pelo câncer, fora induzido a assinar um documento que dava plenos poderes aos dois. Tentaram, em vão, interditar o pai antes de ele perder a lucidez. Maksoud Neto se defende. “Acho engraçado, meu pai (refere-se a Roberto) estava brigado com meu avô”, diz ele. Roberto foi diretor do hotel até o fim dos anos 90, quando saiu rompido com o patriarca, que o acusara de ser perdulário ao extremo. Com os ânimos exaltados, Roberto moveu uma ação trabalhista contra o próprio hotel e levantou suspeitas de uso de recursos públicos pelo pai. Ficaram quinze anos sem se falar. Maksoud Neto rebate seu pai: “Ele parece um ex-xeque árabe sem petróleo, um ex-jogador de futebol sem time e uma ex-chacrete sem programa de TV. Vive de passado”.
O passado já andava turbulento entre os irmãos Roberto e Claudio e o patriarca fundador do império quando surgiu em cena Vera Lúcia Barbosa, filha de Henry Maksoud com a cozinheira da família, Jaci. Vera provou a paternidade por “presunção”, já que Maksoud se negou a fazer o teste de DNA em vida. Legalmente considerada herdeira, Vera passou a ter direitos e, por óbvio, os problemas se multiplicaram.
Maksoud Neto, não percamos o fio da meada com uma árvore genealógica de fazer inveja aos Buendía de Cem Anos de Solidão, movimentou-se rapidamente. Vera, sua tia, assinou, em agosto de 2017, uma cessão de direitos hereditários a favor do sobrinho, pela qual embolsará 2,6 milhões de reais. O valor está sendo pago em 240 parcelas, ou vinte anos. Neto nunca foi herdeiro direto. Com a compra dos direitos hereditários, ganhou novo status. Roberto e Claudio afirmam que a parte de Vera foi comprada, na verdade, pela Portillo, uma empresa de administração de bens cujo sócio integra a banca de advogados que defende Maksoud Neto. A Portillo trabalha para o hotel, tanto que o seu CNPJ consta nos recibos das máquinas de cartão de crédito da empresa de hotelaria. Ou seja: a suspeita é que Maksoud Neto tenha comprado os direitos hereditários de Vera com dinheiro do próprio hotel.
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Neto nega. Segundo ele, a Portillo pagou a parte de Vera para depois debitar o valor de seu salário anual de estimado 1,5 milhão de reais. Instado a explicar o labirinto com um pouco mais de clareza, ele dispara: “Esses dois não me dão paz para trabalhar”. Esses dois são o pai e o tio. Não deve ser mesmo fácil a vida de Neto, que nem pode ter conta bancária, em virtude de ações trabalhistas que obrigaram a levar o prédio do hotel a leilão. Ele acabou arrematado por 70 milhões de reais, mas corre na Justiça um pedido de anulação da batida do martelo.
As dificuldades fizeram a derrocada subir e descer os andares do hotel. Claudio (atenção: o filho do patriarca) e sua mulher, a psicóloga Maria Eduarda, moram nas suítes 1 319 e 1 321 do Maksoud Plaza, que, somadas, têm 100 metros quadrados. A vista para os arranha-céus de São Paulo é estupenda. Mas, dentro da suíte, o que se vê é uma bagunça decadente. O wi-fi, o ar-condicionado, o telefone, os serviços de lavanderia e de faxina foram cortados pela administração do lugar, sob o comando de Maksoud Neto. A torneira da pia jorra água 24 horas por dia. Toalhas estão jogadas no chão. Caixas de Sucrilhos empilhadas dão um ar de escassa higiene ao conjunto da obra. Maksoud Neto faz pressão para despejar o tio e sua mulher das duas suítes. Diz que a dívida de Claudio, por falta de pagamento, já chega a 1,5 milhão de reais.
Maksoud Neto até instalou seis câmeras nas imediações das suítes para saber quem entra e sai do local. Os funcionários que conversam com o casal sofrem represálias e risco de demissão. “Garanto ao Claudio tudo o que a Justiça determinou: teto, água e energia. Jamais soube desse problema na torneira”, diz Neto. Depois da conversa com VEJA, ele contou ter enviado técnicos para arrumar a torneira em quatro ocasiões, mas o tio não autorizou a entrada, pois os encanadores não tinham permissão para assinar um documento com a data do reparo. “Eu sou o que mais sofre”, diz Claudio. “Meu irmão Roberto vendeu obras de arte da minha mãe, como quadros do Di Cavalcanti e do Alfredo Volpi, e eu não vi a cor desse dinheiro. O Henry Neto quer me expulsar da própria casa”, resume, dando tons dramáticos a todo o seu infortúnio. O Maksoud Plaza tem taxa de ocupação de 70%. Baixa, dada sua extraordinária localização. O resto anda às moscas, e ninguém ocupa. “Aqui não tem essa de Boulos”, diz Neto, citando o líder do Movimento dos Trabalhadores sem Teto, Guilherme Boulos, conhecido por ocupar prédios abandonados.
A saga dos Maksoud — o neto, o pai, o tio e a tia — está longe do fim. Em 5 de maio, Neto transferiu as marcas do grupo, entre elas o Maksoud Plaza, para uma empresa de sua propriedade nas Ilhas Virgens Britânicas. Ele não tem aval judicial para vender nenhum bem. “Meu filho tomou o poder em detrimento dos herdeiros; acha que o dinheiro é dele”, diz Roberto. As brigas e o desejo de vingança nutrem o ódio que pai e filho sentem mutuamente. Só não conseguem mudar uma realidade quando se veem no espelho: um tem a cara do outro, e desse destino não há como escapar.
Publicado em VEJA de 30 de maio de 2018, edição nº 2584