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Vitória de Lula abre vespeiro sobre financiamento de atividades sindicais

O presidente eleito promete criar novo mecanismo para atender ao lobby das centrais

Por Hugo Marques e Ricardo Chapola
Atualizado em 18 nov 2022, 10h06 - Publicado em 18 nov 2022, 06h00

Até 2017, cerca de 3 bilhões de reais que eram recolhidos compulsoriamente a cada ano dos trabalhadores com carteira assinada proporcionavam uma vida cheia de pequenos e grandes luxos para certos dirigentes sindicais, financiavam manifestações políticas, sustentavam greves e também garantiam poder e influência aos gestores dos recursos. A reforma trabalhista aprovada naquele ano acabou com a mamata. De uma hora para outra, milhares de sindicatos, centrais, federações e confederações foram obrigados a se reinventar. Tiveram de cortar custos, demitir funcionários e convencer os filiados a contribuírem voluntariamente com as entidades — como deve ser. O que parecia um passo em direção à modernidade, porém, pode sofrer um revés a partir do ano que vem. A vitória de Lula reacendeu o debate sobre o financiamento das atividades sindicais, especialmente entre as poderosas centrais que apoiaram o presidente eleito desde o início da campanha. É pouco provável que se retorne ao modelo anterior, criado na década de 40, mas é certo que mudanças estão no horizonte — e, o que não é nada bom, elas se inspiram no retrovisor.

arte imposto

Ex-sindicalista, Lula é um especialista no tema. Em abril, ainda na pré-campanha, ele se reuniu com a direção nacional da CUT para tratar do assunto. A central queria saber o que o petista pensava sobre a recriação do imposto sindical. Em 2017, a entidade arrecadava anualmente 62 milhões de reais. No ano passado, não chegou a 280 000 reais, dinheiro insuficiente para manter a estrutura que era capaz de mobilizar rapidamente milhares de trabalhadores, organizar uma greve ou um ato de apoio ou de oposição ao governo de turno. No encontro, Lula disse que, se eleito, não estava em seus planos recriar o imposto, mas não descartava a possibilidade de implantar um mecanismo que permitisse aos sindicatos reconstruir um canal de arrecadação de recursos. O petista chamou a fórmula de “financiamento solidário e democrático”, e explicou como funcionaria: “O que a gente quer é que os trabalhadores decidam em assembleia livre e soberana qual é a contribuição que cada um dos filiados de um sindicato vai dar”. Os antigos companheiros gostaram do que ouviram.

Na prática, o que o presidente propunha era precisamente o que os sindicatos tinham em mente. Hoje, a legislação proíbe a cobrança de contribuição coletiva. Nada impede o trabalhador, porém, de doar voluntariamente. Mas, para isso, é preciso negociar individualmente com os filiados. “Sou presidente do Sindicato dos Comerciários de São Paulo, com 500 000 pessoas na base. Pela lei, tenho de procurar um a um e pedir para assinar uma autorização de desconto. É absolutamente inviável”, diz Ricardo Patah, presidente da União Geral dos Trabalhadores (UGT), que contava com um orçamento de 46 milhões de reais antes da reforma, reduzido depois para 600 000 reais, uma queda de arrecadação equivalente a 98%. Se a mudança for implantada como desejam os sindicalistas, a cobrança da nova contribuição seria definida em assembleia, como são decididas, por exemplo, as greves. É de se considerar, portanto, a chance de o tal “financiamento solidário e democrático” acabar sendo ditado por uma minoria, como ocorre na maioria das greves. O resultado final pode ser a volta do “imposto”, só que disfarçado com outro nome, de aparência democrática, como diz o nome, mas com o mesmo efeito deletério do antigo tributo.

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CONGRESSO - Paulinho e Vicentinho: sindicalistas não conseguiram se reeleger -
CONGRESSO - Paulinho e Vicentinho: sindicalistas não conseguiram se reeleger – (Andre Ribeiro/Futura Press; Vide Aguiar/Futura Press)

A convite de Lula, representantes dos sindicalistas integram a equipe de transição. Eles recebem a orientação do assessor do Fórum das Centrais Sindicais, o sociólogo Clemente Ganz Lúcio. A VEJA, ele confirmou que o novo mecanismo será discutido. “A assem­bleia pode autorizar a cobrar uma determinada taxa vinculada à negociação coletiva. O sindicato que não faz negociação coletiva não recebe. No mundo, esse tipo de taxa gira em torno de 1% do salário anual do trabalhador”, explicou. Relator da reforma trabalhista de 2017, o senador eleito Rogério Marinho (PL-­RN) ressalta que a proposta de recriação do imposto sindical ou algo similar é um retrocesso. “Vimos um esvaziamento das mobilizações sindicais movidas por interesses político-­partidários. As greves, quando ocorrem agora, são movidas por interesses dos trabalhadores, e não mais por manobras e pressões de um partido”, disse. Havia uma média de 2 000 greves por ano até 2017. O número caiu pela metade já no ano seguinte. A falta de recursos também coincidiu com a diminuição da bancada sindicalista no Congresso. Eram 83 deputados até 2014. Nas últimas eleições, foram eleitos 41. Figuras históricas como Paulinho da Força, ex-presidente da Força Sindical, e Vicentinho, ex-­presidente da CUT, não conseguiram retornar ao Parlamento.

Publicado em VEJA de 23 de novembro de 2022, edição nº 2816

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