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Uílson ou Wilson?

Brandindo a condição de novidade e exaltando Bolsonaro, o desconhecido Witzel ganhou o primeiro turno e fez da eleição no Rio uma bagunça

Por Fernando Molica e Luisa Bustamante
Atualizado em 12 out 2018, 07h00 - Publicado em 12 out 2018, 07h00

O Rio de Janeiro dormiu com um desenho eleitoral na cabeça e acordou com o sucesso nas urnas de um candidato de quem quase nada se tinha ouvido falar. O nome que saiu da cartola das novidades é Wilson Witzel (lê-se Uílson Vítzel), de 50 anos, juiz federal que, no início do ano, pediu exoneração do cargo para estrear na política como candidato pelo PSC ao governo do estado. Até o último debate na televisão, cinco dias antes da eleição, ele amargava um lugar no pelotão abaixo dos 5% das intenções de voto. Aí, um vendaval soprou a seu favor, inflado pelo uso dos microfones da Rede Globo, ao fazer enfáticas declarações de apoio a Jair Bolsonaro. Contribuiu para abrir-lhe a avenida a casualidade de um adversário forte, Anthony Garotinho, ter sido afastado da disputa pela Justiça. Na véspera da votação, Witzel subira para o segundo lugar no Datafolha, atrás do ex-­prefeito Eduardo Paes, do DEM, que desde o início da campanha surfava em uma diferença de quase 10 pontos sobre os demais — apesar do vínculo com Sérgio Cabral e a quadrilha que transformou o governo fluminense em um sorvedouro de propinas. Na noite de domingo 7, o choque: Witzel teve 41,2% dos votos; Paes, 19,5%.

O ex-juiz proclama: “Eu tenho certeza de que o próximo presidente da República será Jair Bolsonaro. Nós vamos estar juntos para poder trabalhar pelo Estado do Rio”. A segurança pública é seu tema preferencial. Em consonância com o bolsonarismo, Witzel propõe “abater” todo bandido flagrado portando fuzil. Se antes era um candidato meio envergonhado de pregar para gatos-­pingados, agora ele é requisitado por eleitores nas ruas, que o cumprimentam e pedem selfies. Por onde anda, ouvem-se gritos de “Bolsonaro”.

A associação, que Witzel busca em todo ato, rende frutos. Afinal, Bolsonaro teve no Rio sua quinta maior votação no país (59%). Seu PSL conquistou a bancada mais numerosa da Assembleia Legislativa (treze deputados), e outro Bolsonaro, o filho Flavio, garantiu vaga no Senado com 4,3 milhões de votos (o segundo senador do Rio, Arolde de Oliveira, teve 2,3 milhões). “Apresentar-se como juiz da lei e da ordem foi determinante para Witzel num estado onde boa parte dos políticos está na cadeia”, diz o cientista político Geraldo Tadeu, da Universidade do Estado do Rio de Janeiro (Uerj). “O Rio votou sob o efeito de uma hecatombe.”

Paulista de Jundiaí, Witzel desembarcou no Rio aos 19 anos, para ser fuzileiro naval. Estudou advocacia, deu aulas em universidades, tornou-se juiz e morou cinco anos no Espírito Santo. Separado da primeira mulher, casou-se com uma ex-aluna, Helena, com quem tem três filhos e de quem é sócio em uma empresa de eventos — que, aliás, não foi declarada ao Tribunal Superior Eleitoral. No primeiro casamento, teve um filho transgênero, Erick, de 24 anos, chef em um restaurante da Zona Sul carioca. Logo depois da divulgação dos resultados do primeiro turno, com a vitória de Bolsonaro, Erick escreveu nas redes sociais: “Seguimos rindo para não chorar, porque a vontade é sumir. Um dia triste para a história do nosso estado e do nosso país”.

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“Seguimos rindo para não chorar, porque a vontade é sumir. Um dia triste para a história do nosso estado e do nosso país.”

Questionado sobre a contradição entre sua situação familiar e as falas contra homossexuais do capitão da reserva, Witzel desconversa: “Tenho amor, respeito e admiração pelo meu filho. Apoio outras dezenas de propostas do Bolsonaro, mais importantes para o país”. Do primeiro casamento, que terminou em divórcio litigioso, resta uma pendenga judicial no Espírito Santo. Levantamento feito por VEJA mostrou que, em 2012, a 4ª Câmara Cível capixaba mandou que Witzel quitasse um débito com sua ex-sogra, Mariasita de Souza Marques. O empréstimo, em valores atualizados, é de 87 172 reais. Witzel recorreu da sentença condenatória e perdeu, mas até hoje não pagou. Mariasita tem 86 anos, sofre de Alzheimer e mora em Vila Isabel, na Zona Norte do Rio. Witzel afirmou a VEJA que já entrou em acordo com a família. Os advogados dela desconhecem o fato.

O ex-juiz diz que tem uma relação de amizade com o deputado Bolsonaro há muitos anos e que estreitou o contato quando ia ao Congresso, em Brasília, na condição de presidente da Associação de Juízes Federais do Rio e do Espírito Santo. Garante, inclusive, que já recebeu o amigo em sua casa. Bolsonaro não apoiou nenhum candidato ao governo do Rio, mas seu filho Flávio participou de atos de campanha com Witzel nas últimas semanas. Na reta final, o ex-juiz discursava em um comício quando dois bolsonaristas (ambos eleitos com alta votação) quebraram uma placa que homenageava a vereadora Marielle Franco (PSOL), assassinada em março. Foram ovacionados. Witzel alega que a cena o “surpreendeu”, embora na hora tenha reforçado os aplausos. Às vésperas da eleição, ele recebeu a bênção de evangélicos, em especial da Igreja Universal do Reino de Deus, que distribuiu panfletos com seu nome aos fiéis.

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Voltando as baterias para seu adversário no segundo turno, Witzel diz que dará voz de prisão ao ex-prefeito Eduardo Paes se ele fizer ataques à sua honra — o que, obviamente, não passa de uma provocação. A ameaça do juiz-candidato é uma reação a mensagens anônimas que vincularam a sua campanha ao empresário de serviços terceirizados Mário Peixoto, há décadas parceiro do governo do Rio em negócios milionários. A VEJA, o candidato não negou conhecê- lo, mas ressaltou: “Essa pessoa não frequenta a minha casa”.

O senador Romário, que estava em segundo lugar nas pesquisas quando o ex-juiz não era ninguém e que chamou o adversário de “frouxo” em um debate, ligou para Witzel e o parabenizou pelo desempenho nas urnas. Mas os dois não fecharam nenhum acordo. Os demais derrotados ainda não se manifestaram. Paes, que chegou a receber afagos dos bolsonaristas, faz acenos aos partidos de esquerda. É nesse cenário bagunçado, de apoios cruzados e nenhuma sinceridade, que a população fluminense caminha, um pouco às tontas, para o segundo turno.

Publicado em VEJA de 17 de outubro de 2018, edição nº 2604

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