Terceiro a ocupar o cargo com Bolsonaro, presidente do Inep pede demissão
Elmer Vicenzi, que chefiava desde 29 de abril o órgão responsável pelo Enem, deixa o posto após antecessor criticar sua atuação em carta que circulou no MEC

O presidente do Instituto Nacional de Pesquisas e Estudos Educacionais (Inep), Elmer Vicenzi, que estava no cargo desde 29 de abril deste ano, pediu demissão nesta quinta-feira, 16. Ele era o terceiro a ocupar o cargo desde o início do governo Jair Bolsonaro – antes, passaram pela função Maria Inês Fini, que ficou catorze dias no posto, e Marcus Vinícius Rodrigues, que dirigia o órgão desde 22 de janeiro.
Em duas oportunidades, o cargo chegou a ficar vago. Após a saída de Fini, o governo demorou oito dias para nomear Rodrigues – este ficou na função até 26 de março, quando foi exonerado por adiar a avaliação da alfabetização das crianças brasileiras para 2021. Em audiência na Câmara, o então ministro da Educação, Ricardo Vélez Rodríguez, afirmou que Rodrigues deixou o cargo porque “puxou o tapete” ao “mudar de forma abrupta” o entendimento da pasta sobre o assunto.
O Inep é um órgão estratégico do MEC. É ele o responsável pela organização do Exame Nacional do Ensino Médio (Enem) e pelo Sistema de Avaliação da Educação Básica (Saeb), aplicado a estudantes desde a alfabetização até o ensino médio, além dos Censos Escolar e da Educação Superior.
Antes de assumir o Inep, Vicenzi foi chefe do Serviço de Repressão a Crimes Cibernéticos da Diretoria de Investigação e Combate ao Crime Organizado e diretor do Departamento Nacional de Trânsito (Denatran). Durante sua curta gestão à frente do órgão do MEC, ele retomou a avaliação da alfabetização, mas por amostragem.
Em abril deste ano, o Inep afirmou que o cronograma do Enem será mantido – as provas serão realizadas nos dias 3 e 10 de novembro -, apesar da falência da RR Donnelley Editora e Gráfica Ltda, responsável pela impressão e pela diagramação dos cadernos de prova. “Em relação à falência da gráfica contratada para a diagramação e impressão dos cadernos de prova da edição deste ano do Enem, existem alternativas seguras sendo avaliadas”, informou o órgão, em nota oficial.
Bastidores
Segundo o MEC, Vicenzi pediu demissão. Sua gestão no cargo já era motivo de polêmica. Em uma carta que circulou pelo ministério na quarta-feira 15 – à qual VEJA teve acesso -, o ex-presidente do Inep Marcus Vinícius Rodrigues exigia que Vicenzi retificasse suas declarações à Comissão de Educação da Câmara no dia 14 de março.
Na ocasião, Vicenzi afirmou que a comissão criada no governo Bolsonaro para avaliar questões no Enem – com o principal objetivo de excluir perguntas consideradas de cunho ideológico – seria “só mais uma comissão entre muitas que participam da elaboração da prova”. Rodrigues afirma no documento que as falas de seu sucessor deixaram dúvidas sobre “o real trabalho realizado e os resultados obtidos pela comissão”.
Acusou-o também de “desautorizar” o presidente Jair Bolsonaro, que teria manifestado sua intenção de criar um Enem “livre de ideologias”, uma vez que Vicenzi disse aos parlamentares que nenhuma questão seria removida do banco.
Na carta, Rodrigues relata que a comissão chegou a identificar perguntas “inadequadas”, de acordo com os parâmetros estabelecidos pelo presidente, e declara que enviaria uma cópia da carta ao atual ministro, Abraham Weintraub.
Veja íntegra do documento aqui.
Balbúrdia no MEC
Desde o início do governo Bolsonaro, o MEC tem sido o epicentro de recuos, exonerações e medidas polêmicas. Reportagem de capa de VEJA mostrou que, com menos de três meses de gestão, foram nada menos que quinze baixas em cargos do alto escalão da pasta.
Em fevereiro, em entrevista a VEJA, questionado sobre a educação moral e cívica voltar ao currículo escolar, o ex-ministro afirmou que “o brasileiro viajando é um canibal. Rouba coisas dos hotéis, rouba o assento salva-vidas do avião; ele acha que sai de casa e pode carregar tudo. Esse é o tipo de coisa que tem de ser revertido na escola”. Ele recebeu uma notificação do STF e precisou dar explicações sobre a declaração. Depois, disse que as declarações haviam sido colocadas “fora de contexto”.
Ainda em fevereiro, o responsável pelo MEC enviou cartas a diretores de escolas pedindo que eles filmassem alunos cantando o Hino Nacional e determinando a leitura de mensagem com o slogan de campanha de Bolsonaro – “Brasil acima de tudo, Deus acima de todos”. Vélez voltou atrás, considerou a inclusão do chavão do presidente um “equívoco”, mas manteve a ideia sobre a filmagem. Em um segundo recuo, o MEC desistiu de pedir os vídeos.
No mês seguinte, Olavo de Carvalho, o guru intelectual de Bolsonaro e responsável pela indicação de Vélez ao cargo, orientou seus alunos a deixar o governo. Ele afirmou que a equipe do governo estava cheia de “inimigos do próprio presidente e do povo”. A partir disso, aliados do ex-ministro e os de Olavo passaram a travar uma disputa nos bastidores do MEC. Em quatro dias, oito nomes do primeiro escalão foram exonerados. Pouco depois, a pedagoga Iolene Lima foi nomeada como secretária executiva do MEC, mas informou sua saída antes mesmo de assumir.
Com o MEC totalmente paralisado e bombardeado por críticas, a demissão de Vélez se tornou iminente, mas Bolsonaro, em um primeiro momento, hesitou em tirá-lo da pasta. No dia 5 de abril, porém, admitiu que faltava gestão ao então ministro. “Está bem claro que não está dando certo o ministro Vélez, falta gestão. Vamos tirar a aliança da mão esquerda e pôr na direita ou na gaveta”, afirmou o presidente.
Demitido no dia 8 de abril, Vélez foi substituído por Abraham Weintraub. À frente do MEC há pouco menos de 40 dias, Weintraub causou polêmica ao anunciar que a pasta cortaria recursos de universidades que não apresentarem desempenho acadêmico esperado e estiverem promovendo “balbúrdia” em seus campi. Segundo o ministro, a Universidade de Brasília (UnB), a Universidade Federal Fluminense (UFF) e a Universidade Federal da Bahia (UFBA) foram enquadradas nesses critérios.
Após a repercussão negativa, o MEC recuou da punição e propôs um corte linear de 30% a todas as universidades federais, que incidirá sobre a verba prevista para o segundo semestre. A decisão foi novamente contestada, o que culminou na convocação de Weintraub para prestar esclarecimentos no plenário da Câmara nesta quarta-feira 15. No mesmo dia, manifestações contra o contingenciamento ocorreram em todo o país.