A decisão do ministro Dias Toffoli, presidente do Supremo Tribunal Federal, de suspender todas as investigações baseadas em compartilhamento de dados fiscais e bancários sem autorização judicial deve durar pelo menos até novembro, que é para quando está agendado o julgamento do mérito do processo pelo Plenário da corte.
A determinação do ministro se deu a partir de um pedido da defesa do senador Flávio Bolsonaro (PSL-RJ), que era alvo de um inquérito do Ministério Público do Rio de Janeiro a partir de relatórios produzidos pelo Conselho de Controle de Atividades Financeiras (Coaf) e que apontavam movimentações atípicas na conta do ex-assessor parlamentar Fabrício Queiroz.
Segundo informa o blog Radar, embora beneficie o filho do presidente, a decisão de Toffoli não foi bem recebido pela área técnica do governo de Jair Bolsonaro. A avaliação é que, a depender da amplitude da nova regra, o Brasil tenha sua posição em órgãos internacionais prejudicada. Os relatórios de inteligência financeira do Coaf são essenciais para a investigação da criminalidade organizada, inclusive tráfico de drogas, corrupção, lavagem de dinheiro e financiamento do terrorismo.
Até que o Supremo dê uma palavra final sobre a regularidade dos procedimentos, as defesas de outros suspeitos se movimentam para também suspender as investigações que pesam contra seus clientes. Procuradores do Ministério Público Federal veem prejuízos para todas as apurações sobre lavagem de dinheiro em curso no país.
Em Santa Catarina, advogados de investigados na Operação Alcatraz, que apura desvio de recursos públicos em licitações, apresentaram pedido para suspender ou anular os processos. Até agora, pelo menos 18 pessoas foram denunciadas e oito estão presas na operação, que apura suposta organização criminosa para fraudar processos licitatórios na Secretaria de Administração e na Empresa de Pesquisa Agropecuária e Extensão Rural de Santa Catarina.
Um dos pedidos de suspensão foi feito pelo presidente da Assembleia Legislativa de Santa Catarina, Júlio Garcia. Apesar de não figurar entre os indiciados, ele foi alvo de mandado de busca e é tratado como investigado. A assessoria de Garcia informou que o entendimento da defesa é o mesmo de Toffoli, e que o presidente da Assembleia teve sigilo quebrado sem autorização judicial, além de ter sido alvo de escutas.
A defesa do médium João Teixeira de Farias, o João de Deus, também considera que a decisão abre margem para “questionamento”. Réu em oito processos por violência sexual contra quase uma centena de mulheres e preso há sete meses, João de Deus é suspeito ainda de construir um “império” por meio da extorsão de fiéis, lavagem de dinheiro e prática de crimes contra o sistema financeiro nacional. Um relatório feito pela força-tarefa que investiga o caso aponta João de Deus como chefe de uma organização criminosa.
A decisão do presidente do STF foi tomada no curso de um recurso extraordinário ajuizado pelo Ministério Público Federal contra a absolvição de sócios de um posto de gasolina em Americana, no interior paulista, acusados de sonegação fiscal. O caso teve “repercussão geral” reconhecida : o que o plenário do Supremo determinar valerá para todos os casos semelhantes no país.
Na decisão, Toffoli disse que o Ministério Público “vem promovendo procedimentos de investigação criminal (PIC) sem supervisão judicial”, o que ele chamou de “temerário” do ponto de vista das garantias institucionais. Além do Coaf, a sentença atinge casos em que houve compartilhamento de dados da Receita e do Banco Central.
As forças-tarefas da Operação Lava Jato em Curitiba, Rio de Janeiro e São Paulo e a da Operação Greenfield, no Distrito Federal, criticam a decisão de Toffoli. Em nota, os investigadores afirmam que é “inviável” identificar quantos processos podem ser afetados pela decisão, mas dizem que ela terá impacto sobre “muitos casos que apuram corrupção e lavagem de dinheiro” no país. Se a decisão for mantida, sustentam, haverá “risco à segurança jurídica do trabalho”.