A procuradora-geral da República, Raquel Dodge, se manifestou contra a Portaria 666, do ministro da Justiça e Segurança Pública, Sergio Moro, que permite deportação sumária e veda o ingresso no país de estrangeiros suspeitos de envolvimento em crimes específicos, como terrorismo e exploração sexual infantil. Ela afirma que o dispositivo ofende o princípio da “dignidade humana”.
Em Ação de Descumprimento de Preceito Fundamental ao Supremo Tribunal Federal, a procuradora-geral afirma que, “ao criar as anômalas figuras da ‘deportação sumária’ e do ‘repatriamento’ ‘por suspeita’, não condizentes com a abrangência delimitada pela normativa legal e constitucional”. “Em suma, a portaria exorbita o espaço normativo reservado pela Constituição à regulamentação”.
“Com isso, a um só tempo, fere os princípios da dignidade humana e da igualdade; viola os direitos à ampla defesa, contraditório, devido processo legal e presunção de inocência de estrangeiros; fragiliza o direito ao acolhimento; e ofende os princípios da publicidade, da liberdade de informação e do acesso à justiça”, diz Raquel.
Para Raquel, “não é mais possível, então, que os estrangeiros sejam tratados de modo discriminatório, sem respeito a direitos básicos, que são verdadeiros preceitos fundamentais da República brasileira”.
De acordo com a PGR, a portaria 666 deve provocar dois efeitos:
“(i) impede a entrada de estrangeiros no território nacional e, caso já tenham ingressado, mesmo que estejam regulares e ainda em gozo de prazo de estadia,
(ii) permite que tenham sua permanência legítima abruptamente rompida, com deportação a ser realizada por intermédio de rito sumário. Assim, a partir da edição da Portaria n. 666, os estrangeiros não possuem mais a previsibilidade de permanência no Brasil pelo prazo concedido pelas próprias autoridades públicas”.
Raquel afirma que “não há mais segurança jurídica aos estrangeiros, não importando qual seja a relevante atividade por eles desempenhada no território nacional”. “Podem ter sua autorização de estadia cancelada e ser submetidos à deportação sumária, que, como o nome indica, possui ainda um rito abreviado e célere”.
“O uso do termo genérico ‘envolvimento’ (ao invés dos termos usuais na prática dos crimes lá descritos, como ‘autoria’, ‘coautoria’, ou até mesmo ‘participação’) consagra a insegurança e a sujeição do estrangeiro ao arbítrio da autoridade pública”, sustenta.
“Esse exemplo serve de comprovação da ofensa feita por tal dispositivo ao princípio da dignidade humana gerada pela edição da citada Portaria”, diz.