Projeto de Holiday prevê internação para quem tem ‘propensão’ ao aborto
Para especialistas, a proposta é inconstitucional por aumentar a despesa orçamentária do município de São Paulo e tratar de questões religiosas
O vereador Fernando Holiday (DEM-SP) protocolou um Projeto de Lei (PL) que dificulta a realização do aborto legal no município de São Paulo e permite a internação psiquiátrica compulsória de mulheres grávidas caso seja contestado que a paciente tem “propensão ao abortamento ilegal”. Especialistas veem inconstitucionalidade no projeto, principalmente por aumentar a despesa do orçamento municipal.
O PL 352/2019, apresentado na Câmara Municipal de São Paulo no fim de maio, também prevê o atendimento religioso para a gestante que se enquadre nos três casos de aborto legal — se a gravidez for proveniente de violência sexual, se o feto for anencéfalo ou se houver risco de vida à mulher. Caso a gestante seja ateia ou agnóstica, ela será atendida por uma pessoa para tratar sobre as questões “bioéticas” do aborto.
Na justificativa apresentada, não há nenhum dado científico que comprove a efetividade das possíveis mudanças. Holiday afirma que é necessária “a valorização da vida” e, por isso, o texto “institui um atendimento psicológico integral à gestante e garante a vida do feto, com o objetivo de fazer valer o direito à vida previsto na Constituição Federal”. Ainda, o vereador aponta que a maior parte da população é contrária ao ato de abortar.
A advogada constitucionalista e professora da pós-graduação da Escola de Direito do Brasil (EDB) Paula Salgado considera o projeto inconstitucional por implicar em um aumento de despesa, que só poderia ser realizado pelo chefe do poder Executivo. Paula cita também que, em nenhum momento, Holiday comenta sobre a questão orçamentária, mesmo ficando implícito que novos cargos serão criados.
Além de aumentar o orçamento, Paula analisa que o projeto cria procedimentos desnecessários para uma Lei que já foi discutida no Supremo Tribunal Federal (STF). “Criar um procedimento tortuoso apenas no município de São Paulo fere a questão da federação. Há um direito que a mulher tem de abortar em alguns casos. Ela não está fazendo nada que é proibido. Como ele não pode mudar o código penal, ele cria obstáculos para tornar inviável a possibilidade de interromper a gravidez”, conclui.
A advogada Mônica Sapucaia Machado, autora das obras Women’s Rights International e especialista em compliance de gênero, também afirma que o projeto é inconstitucional porque aborda questões que não são municipais. “É uma legislação que coloca condições que não fazem parte das obrigações municipais. O município avançaria em prerrogativas da união e cria demandas de servidores públicos que não se explica de onde vai sair”.
A maior preocupação da advogada é a obrigatoriedade do atendimento religioso no município. “O Estado não tem padres, pastores, arcebispos, pajés, para prestarem este atendimento. Além do mais, religião não é uma questão de saúde, é uma questão privada”, critica Mônica. Ainda, a especialista diz que o Estado não pode impedir que as mulheres realizem o aborto nos três casos já previstos pela Lei.
Outros pontos
O projeto apresentado por Holiday — além de prever a internação psiquiátrica para quem tenham “propensão” ao aborto e atendimento religioso para as gestantes que se enquadrem na Lei de aborto — também coloca que o município só poderá realizar a interrupção da gravidez nos casos legais “mediante a apresentação de alvará expedido por autoridade judiciária”, mesmo o ato já estando previsto legalmente.
Antes de realizar o aborto, já com o alvará em mãos, a mulher será submetida a uma série de procedimentos para coibir o ato, tais como: “atendimento psicológico com vistas a dissuadi-la da ideia de realizar” o aborto, atendimento psicossocial, exame de imagem e som que demonstre a existência de órgãos vitais e demonstração das técnicas do abortamento, com explicação sobre os atos de “destruição, fatiamento e sucção do feto”.